'Ela Volta na Quinta' expõe as fissuras de um casamento

Inovador, André Novais Oliveira põe na tela ele mesmo, seus parentes e amigos num registro da vida comum

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Por Redação
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Pode-se gostar dele ou não, mas é impossível negar originalidade ao cinema de André Novais Oliveira. Ele tem frequentado muito as mostras que privilegiam o cinema independente, como as de Tiradentes e Brasília e tornou-se também queridinho de boa parte da crítica. Inovador, sem perder a ternura, Novais faz um tipo de arte que se poderia chamar de autorreferencial. Ou, como andou na moda nos últimos tempos, pratica autoficção. Mas sem idolatrias narcísicas. Pauta-se, ao contrário, pela modéstia, sem que isso seja pejorativo. Sua vida, ele mesmo, seus parentes e amigos compõem seu material de trabalho. No curta Em Pouco Mais de Um Mês, o próprio André e sua namorada estão na tela para interpretar o início de uma relação, suas dúvidas, seu encantamento e inibições. Agora, em Ela Volta na Quinta, é o desgaste de um velho relacionamento que está em pauta. E quem são os personagens? Ninguém menos que o pai e a mãe de André. Norberto e Zezé sentem as fissuras nesse casamento de mais de 30 anos, mas não se decidem a romper o vínculo. Têm os filhos, o próprio cineasta e seu irmão. Estes também mostram estágios diferentes dos próprios relacionamentos amorosos. A mulher de André deseja mudar de apartamento, mas ele não se sente em condições de fazê-lo. Renato, seu irmão, quer casar e ter filhos com a atual namorada. Ambos também conversam sobre a situação dos pais. E, à maneira dos jovens, logo descartam o assunto, como se não quisessem se chatear com ele.

O estilo do filme é de um naturalismo suave. Como se a proposta, ao fazer os personagens reais falarem de si (não necessariamente histórias “reais”), fosse aproximar o cinema de um registro vívido do transcurso da vida comum. André fala de si, da namorada, dos pais. Um viver de classe média, existências marcadas pelas dificuldades do dia a dia, preocupações normais, como as que todo mundo tem. Os “atores” não interpretam. Não se vê neles qualquer intenção de teatralizar cenas. Eles passam diante da câmera como se apenas repetissem atos e situações com os quais estão acostumados. Vivem e representam as coisas do dia a dia, típicas de uma família mineira como tantas outras. E, no entanto, em meio a esse despojamento, o cineasta mostra sensibilidade para introduzir a nota do poético no cotidiano. Quando, por exemplo, aparece Roberto Carlos cantando na TV e o casal em crise aproveita a música conhecida e se põe a dançar na sala de visitas. E, se os dois cogitam se separar, sempre há tempo para discutir aquelas coisas que todo casal discute - é preciso fazer uma obra na casa, levantar uma parede, mas quem se atreve a pensar nisso, àquela altura do campeonato? Sim, qualquer que seja a crise, é preciso manter a casa em pé, em funcionamento. Pensar no futuro talvez seja a forma mais prática de pensar que, talvez, a ruptura não seja inevitável. Essa retórica do “prático” pode ser a maneira mais contida encontrada pelo filme de dizer “eu te amo”. Uma poética da discrição. Bem à moda mineira, no fundo. 

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