Documentário 'A Farra do Circo' faz longa viagem no tempo

Diretor Roberto Berliner fala sobre o partido estético

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Durante muito tempo, Roberto Berliner alimentou o desejo de realizar um documentário sobre o Circo Voador. Foi um fenômeno tipicamente carioca dos anos 1980. O Circo surgiu no Arpoador e se transferiu para a Lapa. Entre um e outro espaço, houve o Circo sem Lona e durante todo este tempo Berliner estava ali, fazendo parte daquela história. Ele trabalhava no Cedoc da Globo, com documentação de imagem. Começou a gravar tudo o que ocorria no Circo e editava o material na própria Globo. A partir de determinado momento, foi ‘saído’ da emissora e, com a indenização, comprou uma câmera. Nos anos 1990, no começo dos 2000 - já na época, nos próprios 80 -, havia o desejo de fazer um filme, de preservar aquela memória, o que Berliner faz agora com A Farra do Circo. Como espaço cultural de vanguarda, o Circo Voador abrigou múltiplas tendências. Muita gente fez ali os primeiros shows, apresentando-se para pequenas plateias que foram crescendo. Barão Vermelho, Legião Urbana, Paralamas do Sucesso, Débora Colker. O Circo a todos abrigou. O material, Berliner sempre teve, mesmo depois que o sonho acabou, no México, numa outra Copa, a de 1986, que o filme lembra. O animador do Circo, Perfeito Fortuna, a pretexto de montar uma sucursal do Circo em Guadalajara, onde o Brasil ia jogar, organizou uma turnê. O fato de A Farra do Circo estrear agora em outra Copa não foi pensado nem buscado. É coincidência, mas o registro está lá. Como se conta essa história? "O Circo era precário, mambembe, malfeito e mau administrado", lembra Berliner, mas foi isso que abriu espaço para todos aqueles artistas, e outros que foram incorporados à TV, como Regina Casé e Luiz Fernando Guimarães. Como Perfeito Fortuna - e também Evandro Mesquita, Patrícia Travassos -, todos vinham do grupo Asdrúbal Trouxe o Trombone. As histórias se misturam. "Um fenômeno carioca" - Berliner acrescenta. “Não creio que tivesse sido possível em São Paulo, que tinha outras manifestações, até análogas, mas a irreverência do Circo, a graça, a provocação, tudo tinha a ver com o espírito dos cariocas." Há um par de anos, a produtora de Berliner, a TV Zero, inscreveu o projeto nas leis de patrocínio. Conseguiu verba de um edital da Riofilme, do Canal Brasil e da Secretaria de Estado da Cultura (do Rio).

O sonhado projeto do filme começou a nascer. A Farra do Circo - o título explica-se pela decisiva excursão ao México - está em cartaz no Rio e em São Paulo. Deve ser lançado em outras capitais e grandes cidades, e vai para o Canal Brasil. Berliner não faz só documentários. É o diretor de Júlio Sumiu, com Lília Cabral. Ele admite seu desapontamento. “Embora Júlio não tenha sido feito para se transformar num evento de mercado, tinha expectativa de que fizesse mais do que os 180 mil espectadores em que estacionou. Esperava uns 500 mil, teria soltado foguetes, se tivesse chegado a 1 milhão”, diz ainda o diretor. Ele se orgulha do filme que fez, do elenco. "Mas tinha uma protagonista de 50 anos, uma trama jovem, uma gostosa que tirava a roupa no morro e outra na delegacia. Tiroteava para todo lado e, por isso, talvez não tenha atingido ninguém especificamente”, ele avalia, sem muita certeza. A questão de base de A Farra do Circo permanecia - que tipo de filme fazer? Com todo aquele material de arquivo, Berliner e seu parceiro, o montador Pedro Bronz, resolveram radicalizar. Prescindiram das entrevistas memorialísticas e usaram somente o material de época. Os depoimentos são aqueles do calor da hora e o registro, muitas vezes feito em VHS ou super-8, perde em qualidade de som e imagem o que ganha em valor histórico. O repórter queixa-se - a imagem é nítida no centro, mas se esfuma pelas laterais. Cria uma poluição visual, um efeito caótico. "Ninguém me verbalizou dessa maneira como você está fazendo, mas nos esforçamos para que, mantendo o material bruto, ele não ficasse caótico demais", diz o diretor. Havia no Circo, no início, um desejo de arte e vida coletivas. O Circo buscava o patrocínio antecedendo as leis de patrocínio. Figura decisiva foi o ator e promotor de eventos Perfeito Fortuna, que orquestrou a ida para o México. É o momento em que o público mais ri. As autoridades mexicanas queixam-se de que esperavam artistas de renome, e citam alguns, não os que o Circo levou para suas apresentações em Guadalajara. "Isso era a cara do Perfeito, e do Circo. Ele provavelmente vendeu mesmo os grandes nomes que os mexicanos esperavam. De qualquer maneira, foi lá, naqueles pênaltis, que o sonho acabou", ele reflete. Acabou, mas ainda rende frutos - e exemplos de criatividade. O cinéfilo pode se surpreender com a conexão entre o Cinema Novo e o Circo, via Joaquim Pedro de Andrade. "Na verdade, quem levou o Joaquim para o Circo foi a filha dele, a Alice. Com 16 ou 17 anos, ela se ligou ao Perfeito (Fortuna) e arregimentou o pai para dar um curso, que eu fiz e foi muito importante para mim, que já estava documentando as imagens do Circo." A FARRA DO CIRCODireção: Roberto Berliner Gênero: Documentário (Brasil/ 2013, 94 minutos). Classificação: 14 anos.

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