Diretor se apropria de Godard para discutir imagem em Tiradentes

O paranaense Arthur Tuoto está em Tiradentes com o fascinante ‘Aquilo Que Fazemos com Nossas Desgraças’

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Como penetrar no mistério de Tiradentes, não da cidade, mas da Mostra? Autores, debatedores, o público, todo mundo é muito jovem. Mas então, de repente, a mostra abre espaço para alguns veteranos. São os ícones do cinemas de autor, aqueles cujo fazer – o próprio saber – fecha com o dessa garotada que faz da busca, do ‘processo’, o sentido de ser da trajetória e da obra. Ontem, vieram aqui duas dessas figuras icônicas. Andrea Tonacci e Luiz Rosenberg Filho, grandes nomes de um cinema – qual é a melhor definição – marginal?

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Ambos exibem neste sábado, 1º, no encerramento da 17.ª Mostra de Cinema de Tiradentes, seus novos trabalhos. Dois filmes experimentais. O de Rosemberg chama-se Linguagem, o de Tonacci, Já Visto Jamais Visto. Ontem eles discutiram seus processos de criação. Trabalho, método e circunstância. Tonacci contou a gênese de Serras da Desordem. Estava num movimento difícil, de ruptura, em sua vida pessoal. Encontrou no índio cuja família foi trucidada uma forma de, falando sobre o outro, tocar fundo nos próprios sentimentos.

Era interessante olhar a devoção dos jovens enquanto Tonacci e Rosemberg falavam. Não parecem interessados em construir ‘carreiras’. Muito provavelmente representam uma nova geração crítica do consumismo da vida moderna, ávida por sustentabilidade. Como filmar, perguntava-se Tonacci? Se ao filmar, ele tem consciência do ato, racionaliza o que faz, não serve. É profissão, não cinema, que deve ser algo mais visceral. Foi aplaudido com fervor.

Nos primeiros dias da Mostra Aurora, o repórter chegou a escrever que ela ameaçava cair na mesmice. Filmes de recorte social, com o mesmo foco processual. E aí a mostra começou a mudar, de uma maneira vertiginosa, quase difícil de acompanhar. Ainda faltava exibir dois concorrentes ontem à noite – Branco Sai Preto Fica, de Adirley Queirós, e Aliança, de Gabriel Martins, João Toledo e Leonardo Amaral. Podem ter vindo para complicar a já difícil tarefa do júri que vai outorgar o troféu Barroco.

A mostra competitiva, formada por sete filmes, teve quatro de Minas. Na quinta à noite, passaram um filme do Paraná e outro da Paraíba. Não poderiam ser mais diversos. Aquilo Que Fazemos com Nossas Desgraças, do paranaense Arthur Tuoto, apropria-se de um áudio de Jean-Luc Godard e Anne-Marie Miéville, ao qual Tuoto superpõe imagens que não colheu, mas que transforma em suas. O texto, em francês, fala nos monstros. E quem são? O sistema, o poder político e econômico, tudo aquilo que objetaliza e consome os homens. A montagem colhe imagens de revolta – cena de violência nas manifestações no Rio e em São Paulo.

Ecos de Dziga-Vertov, de Marcelo Masagão. No debate, o crítico convidado – Juliano Gomes, do Rio – chamou a atenção para o fato de o filme iniciar-se abruptamente, sem créditos. O título não aparece, mas no fim Tuoto imprime sua assinatura, e o ano, 2014. Sendo um filme sobre as impropriedade das imagens – e como elas se tornam próprias (de um autor) –, Tuoto admitiu que sua assinatura contradiz o conceito, mas é o que faz o fascínio. Volta e meia a tela fica escura e os narradores dizem que vão contar uma história. É fascinante.

Na Paraíba, faz-se hoje o mais insólito cinema brasileiro. Batguano, de Tavinho Teixeira, decola com um homem praticando sexo oral em outro e salta para um canavial, cenário de pegação como o lago de Alain Guiraudie, em Um Estranho no Lago. Os personagens são Batman e Robin, como você não os vê nos blockbusters de Hollywood. Não é para todos os gostos, mas é divertido e tem ideias. A Aurora não cessa de surpreender.

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