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Debate: Por que gostamos e por que não gostamos de 'Bingo – O Rei das Manhãs'

Os críticos de cinema do 'Estado' dão suas opiniões, diferentes, sobre o novo filme de Daniel Rezende com Vladimir Brichta no papel principal

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Por Luiz Carlos Merten e Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Tensão máxima em uma saga pessoal nada exemplar

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Gostei. Em Bingo – O Rei das Manhãs, de Daniel Rezende, Vladimir Brichta faz um palhaço autodestrutivo, inspirado em Bozo, figura da TV importada dos EUA nos anos 1980. Bozo foi vivido por 12 atores diferentes em dez anos. Um deles foi Arlindo Barreto, no qual o personagem Augusto Mendes, vivido por Brichta, se inspira.

Mendes é ator de pornochanchadas que busca o sucesso na TV com o arrebatamento de um verdadeiro viciado. Passa num teste para viver o palhaço e dá a ele uma forma mais escrachada, que cai no gosto do público. Porém, o problema do sucesso não é alcançá-lo, mas mantê-lo. E Augusto fará de tudo para não cair. Essa a sua tragédia, e também a sua redenção.

Rezende, em seu primeiro longa, consegue imprimir tensão máxima em uma saga pessoal nada exemplar, mas que termina em volta por cima como gosta o cinema. Ele é conhecido por ser o montador de Cidade de Deus e ter sido indicado para o Oscar por esse trabalho. Encontrou também um ator que se reinventa com garra e talento como um palhaço triste e com vocação do abismo.

Com essa história, o filme discute questões urgentes, como as armadilhas da fama (Bingo não pode revelar sua identidade) e o uso de drogas para manter o patamar artificial de euforia necessário ao seu estilo de vida. Bingo é um belo espetáculo e, ao mesmo tempo, crítico em relação à sociedade do espetáculo, por contraditório que isso pareça. Uma estreia empolgante. (Luiz Zanin Oricchio)

Vladimir Brichta interpreta o palhaço Bingo Foto: João Naves

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De onde vem essa insatisfação que o filme pode produzir?

Não gostei. Nas cenas iniciais, a câmera de Daniel Rezende pega o personagem – Augusto – com o filho. Estão num estúdio e o menino, meio que se esgueirando, vai ver a cena que ele está filmando. Sua cara é de espanto. Papai está metido num pornô. Logo em seguida, Augusto é mostrado com a mãe – uma famosa atriz, agora sem palco à altura do seu talento. É a história de uma família disfuncional. Pai, mãe, outra estrela, avó. De perto ninguém é normal. Daria outro filme. Como esse garoto pode sobreviver a tudo isso?

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Mas não é o foco. É Augusto. A câmera atravessa a cidade, todas aquelas luzes, e chega ao espaço de sombra em que ele está perdendo sua alma, e até morrendo. Bingo – O Rei das Manhãs é impressionantemente bem interpretado (por Vladimir Brichta e Augusto Madeira, em especial). Madeira, por sinal, já roubou a cena em Malasartes. Direção, fotografia, montagem são brilhantes e recriam toda a breguice de uma era de excessos. Mas, então, de onde vem essa insatisfação que o filme pode produzir? Que o faz ser muito bem feito, mas não, talvez, bom?

Por mais que Rezende queira descolar o Bingo do Bozo e Augusto de Arlindo Barreto, a identificação é muito forte. Ele se reconstrói pelo palco ou pela religião? Ser pastor lhe dá, no filme, o que mais quer. O púlpito/palco. Ou a mulher? Salvar-se pela religião é meio inaceitável nesse momento de retrocesso. A menos que Augusto esteja ali como sempre esteve na vida. Como um completo 171. (Luiz Carlos Merten)

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