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Crítica: Mais do que precisão biográfica, falta a intensidade de Elis

Filme sobre Elis Regina, que teve estreia em Gramado, evita as extremidades de uma cantora que não operava na suavidade

Foto do author Julio Maria
Por Julio Maria
Atualização:

Elis Regina é uma das personagens mais intensas na história da música brasileira. Intensa e transparente em quedas e vitórias, o que a diferencia de todos os outros. Sua vida corria a uma velocidade de três dias a cada sequência de 24 horas, com episódios que iam do mais profundo amor ao pior dos sentimentos. Ao seu redor havia veneração de verdade, que a colocava no palco como a melhor do País, mas também inveja, ganância e hipocrisia, que temperavam sofrimentos quase insuportáveis. Ao final da vida, a cocaína surgiu ardilosa, sedutora e mortal. 

Andreia Horta em ação: caracterização e preparação impressionantes Foto: Divulgação

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Um fato é que não existia espaços para a linearidade dos mortais na vida de Elis. Ela estava sempre no céu ou no inferno, e levava os dois para o palco. Sentia urgência de vida como mãe, mulher e cantora de tal forma que agia como se soubesse que aquele espetáculo não duraria por muito tempo.

O filme de Hugo Prata, aplaudido em Gramado, não tinha a obrigação de perseguir a história em seus detalhes precisos. Nenhuma cinebiografia deveria ser cobrada por não fazê-lo. As duas horas de duração de um longa são cruéis e impiedosas. Muitas verdades e muitas pessoas ficarão inevitavelmente de fora durante o processo industrial que faz uma história real virar entretenimento. Paciência. Que os biógrafos cumpram a função de contar a verdade.

O que não deveria ficar de fora, no entanto, é o espírito de Elis, o que nem sempre se faz presente ou é sustentado pela caracterização e entrega de Andréia Horta. A questão é outra. Hugo Prata preferiu caminhar nas entrelinhas, agir nas sutilezas. Assim, ganhou em classe mas perdeu nas extremidades de uma mulher que não operava na suavidade. Sua Elis é menos feroz, menos apaixonada, mais previsível, perdendo pontos onde jamais deveria perder: intensidade.

Falta o momento de uma grande interpretação musical, o instante tão cinematográfico em que todos os pecados de Elis eram perdoados e que esperou décadas para virar filme. Falta a Elis insegura e competitiva, a Elis fiel aos filhos e infiel aos maridos. Falta entender o que levou aquela mulher aparentemente tão realizada a sucumbir à cocaína. E falta um final.

O episódio das drogas também chega protegido demais. Se não era o caso de escancarar cenas de consumo de pó, era sim o momento de dar vida às entrelinhas, de concretizar as sugestões. Elis se foi precocemente não por um mero acaso. Sua destruição começa com a separação, também não por acaso, do marido pianista e diretor musical Cesar Camargo Mariano. Cesar e Elis se feriram mutuamente o bastante para que ela tomasse essa decisão. O que incomoda no filme 'Elis' não é a falta de precisão biográfica, como a supressão da mãe e a criação de um pai longe da realidade. Quem faz falta mesmo, com todos os louros garantidos à Andréia Horta, é um pouco mais de Elis Regina.

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