O 37º Festival de Gramado terminou na noite de sábado consagrando a estética política, duplamente vencedora – na mostra brasileira, com "Corumbiara", o poderoso documentário de Vincent Carelli; e, na latina, com a ficção "A Teta Asustada", da peruana Claudia Llosa, que já havia vencido, em fevereiro, com o mesmo filme, o Urso de Ouro em Berlim.
Veja também:
"Corumbiara" ganhou o Kikito de melhor filme, mas dividiu o de direção com Paulo Nascimento, da produção gaúcha "Em Meu Nome". Também recebeu os prêmios principais dos júris de estudantes e do público (um colegiado formado por leitores de 12 dos maiores jornais do País, incluindo, claro, o Estado. "A Teta" ganhou, além do Kikito de melhor filme, os de direção e atriz (Magaly Solier).
São todos defensáveis, é verdade, mas o júri perdeu a chance de premiar o filme uruguaio "Gigante", de Adrián Biniez, e ainda cometeu dois verdadeiros sacrilégios – ignorou a atriz argentina Valeria Bertucelli, de "Lluvia", e dividiu o prêmio de melhor ator entre Horacio Camandule, de "Gigante", e o colombiano Matías Maldonado, de "Nochebuena".
O prêmio de melhor atriz poderia ter sido dividido, e estaria tudo bem. O de melhor ator teria de ser exclusividade de Camandule, embora talvez tenha sido intimidante o fato de ele – um professor de escola primária – não ser ator profissional.
Desde domingo passado e até sábado, Gramado sediou também o Gramado Cine Vídeo e o Animagramado, festival de animação que confirma o boom do formato no Brasil (e no mundo). O Cine Vídeo exibiu e premiou vídeos nas categorias social, independente e de TVs universitárias. Embora importantes, os dois eventos tendem a ser ofuscados pela projeção que o festival de cinema já possui há décadas.
Gramado, em 2009,homenageou nomes importantes do cinema brasileiro – os diretores Ruy Guerra e Walter Lima Júnior, o ator e diretor Reginaldo Faria. Ruy Guerra, na sexta-feira à noite, recebeu o Kikito de Cristal pelo conjunto de sua obra. Ele fez o mais belo (e singelo) dos agradecimentos. Lembrou Gabriel García Márquez, que disse certa vez que escrevia para ser amado, e ainda definiu seu ofício de escritor como doloroso e fascinante. Ruy disse que filmar também é doloroso e fascinante. E acrescentou, sob aplausos: “Hoje, aqui, eu me sinto amado”.
Houve outra homenageada, Xuxa, por seus quase 30 milhões de espectadores (em 18 filmes). Ela provocou a irritação da crítica com seu jatinho (pago pelo festival), o carro blindado e o batalhão de seguranças, e mais ainda pelo fato de se haver recusado a dar uma entrevista coletiva. Em seu discurso de agradecimento, ela provocou – disse que era “loira, povo e vencedora”. Xuxa teve o troco na noite de encerramento.
Aproveitando o fato de que José Vitor Castiel era o apresentador (com Renata Boldrini), irromperam no palco seus dois parceiros no grupo Homens de Perto, uma espécie de Casseta e Planeta local. Um deles recebeu um Kikito honorário (de chocolate). Agradeceu parafraseando Xuxa – “Sou povo, sou povinho, sou careca e sou vencedor!” O Palácio dos Festivais veio abaixo.
A seleção deste ano foi irregular, mas teve alguns filmes bons (e até muito bons). Pelo quarto ano, a curadoria foi exercida por José Carlos Avellar e Sérgio Sanz, que privilegiam o cinema de expressão pessoal, definição que preferem à de cinema autoral, sobre o cinema mais espetacular que antes fazia o glamour do tapete vermelho. As escolhas de ambos podem ser eventualmente discutidas e até contestadas, mas realizam na prática o que é um conceito teórico. São filmes que dialogam entre si, cabendo ao cinéfilo, ao crítico e ao “povo”, tirar as ilações possíveis da seleção.
Os filmes preferidos dos críticos, vencedores dos prêmios da categoria – "Canção de Baal", de Helena Ignez, melhor longa nacional, e "Gigante", do uruguaio Adrián Biniez, melhor longa latino –, não foram os favoritos do júri oficial. Para celebrar a diversidade, o festival instituiu mais dois júris, um formado por estudantes de cinema e outro por 12 leitores dos maiores jornais de todo o Brasil.
O repórter viajou a convite da organização do festival
Veja a Lista completa de prêmios:
Longa Metragem Brasileiro:
Melhor Filme: "Corumbiara" de Vincent Carelli
Melhor Diretor: Vincent Carelli por "Corumbiara" e Paulo Nascimento por "Em Teu Nome"
Melhor Ator: Leonardo Machado por "Em Teu Nome"
Melhor Atriz: Vivianne Pasmanter, por "Quase Um Tango..."
Melhor Roteiro: Sérgio Silva, por "Quase Um Tango..."
Melhor Fotografia: Katia Coelho por "Corpos Celestes"
Prêmio Especial do Júri: "Em Teu Nome", de Paulo Nascimento
Melhor Diretor de Arte: Fabio Delduque, por "Canção de Baal"
Melhor Trilha Musical: Andre Trento e Renato Muller por "Em Teu Nome"
Prêmio da Crítica: "A Canção de Baal", de Helena Ignez
Melhor Filme do Júri Popular: "Corumbiara" de Vincent Carelli
Melhor Filme do Júri de Estudantes de Cinema: "Corumbiara" de Vincent Carelli
Melhor Montagem: Mari Corrêa, por "Corumbiara"
Longa Metragem Estrangeiro:
Melhor Filme: "La Teta Asustada", de Claudia Llosa
Melhor Diretor: Claudia Llosa, por "La Teta Asustada"
Melhor Ator: Horacio Camandule, por "Gigante" e Matías Maldonado, por "Nochebuena"
Melhor Atriz: Magaly Solier de "La Teta Asustada"
Melhor Roteiro: Adrián Biniez, por "Gigante"
Melhor Fotografia: Guillermo Nieto, por "Lluvia"
Prêmio Especial do Júri: "La Próxima Estación" de Fernando E. Solanas
Prêmio da Crítica: "Gigante", de Adrian Biniez
Melhor Filme do Júri Popular: "Lluvia" de Paula Hernández
Melhor Filme do Júri de Estudantes de Cinema: "La Teta Asustada" de Claudia Llosa
Curta Metragem
Melhor Filme: "Teresa" de Paula Szutan e Renata Terra
Melhor Diretor: Paula Szutan e Renata Terra, por "Teresa"
Melhor Ator: Miguel Ramos, por "Teresa"
Melhor Atriz: Juliana Carneiro da Cunha, por "O Teu Sorriso"
Melhor Roteiro: Davi Pires e Diego Müller, por "Teresa"
Melhor Fotografia: Andre Luiz de Luiz, por "Ernesto no País do Futebol"
Prêmio Especial do Júri: "Olhos de Ressaca" de Petra Costa
Melhor Diretor de Arte: Diogo Viegas, por "Josué e o Pé de Macaxeira"
Melhor Trilha Musical: Leonardo Mendes, por "Josué e o Pé de Macaxeira"
Melhor Montagem: Gustavo Ribeiro, por "Teresa"
Prêmio da Crítica: "O Teu Sorriso", de Pedro Freire
Melhor Filme do Júri Popular: "Josué e o Pé de Macaxeira" de Diogo Viegas
Melhor Filme do Júri de Estudantes de Cinema: "Olhos de Ressaca" de Petra Costa
Mostra Gaúcha:
Melhor Filme: "De Volta ao Quarto 666", de Gustavo Spolidoro
Melhor Direção: Leonardo Remor, por "Sobre Um Dia Qualquer"
Melhor Ator: Nelson Diniz, por "Quiropterofobia"
Melhor Atriz: Sissi Venturin, por "Sobre Um Dia Qualquer"
Melhor Roteiro: Davi Pires e Diego Müller, por "Teresa"
Melhor Fotografia: Matheus Massochini, por "Sobre Um Dia Qualquer"
Melhor Direção de Arte: Guilherme Pacheco, por "Sobre Um Dia Qualquer"
Melhor Música: Sérgio Rojas, por "Jogo do Osso"
Melhor Montagem: Marcos Lopes, por "Sobre Um Dia Qualquer"
Melhor Edição de Som: Cristiano Scherer, por "Livros no Quintal"
Melhor Produtor / Produtor Executivo: Regina Martins, por "Mapa-Mundi"