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Construir 'Mate-me por Favor' só do ângulo dos jovens é o grande desafio da diretora Anita Rocha

Cineasta conta a gênese do longa e detalha os desafios de filmar o que se passa na cabeça dos adolescentes

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Quando iniciou o projeto de Mate-me por Favor, que estreia nesta quinta, 15, a diretora Anita Rocha da Silveira tinha claras algumas ideias. “Não consigo lembrar o que nasceu direito, acho que os personagens. Com toda certeza foram eles, ou elas, as garotas, amigas, mas eu sabia desde logo onde queria filmar, e teria de ser na Barra da Tijuca. Foi nascendo tudo junto. As meninas, o serial killer, a paisagem.” Outra coisas que ela definiu de cara foi um conceito para o elenco. “Não queria atrizes de 19, 20 anos fazendo meninas de 13, 14. Queria que tivessem a idade das personagens, nessa fase de transformação – dos corpos, das mentes.”

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Anita começou a distribuir cartazes em escolas, a chamar possíveis candidatas no Face. “Um dia, estava no teatro, com uma amiga. Era uma sessão de tarde, no Tablado (Rio), num dia da semana. Vi uma garota que me impressionou muito, e era a Valentina (Herszage). Minha amiga, que acompanhava minha busca, insistiu. ‘Vamos falar com ela.’ O curioso é que Valentina havia visto o anúncio e enviou uma foto que me passou despercebida. E eu não precisa de uma atriz só para a Bia, a protagonista. Precisava de quatro, que interagissem como amigas. Foi um longo processo de casting. Comecei com 250 garotas, reduzidas para 50, depois para 12. Fiquei muito feliz quando o grupo ganhou um prêmio coletivo na Mostra Horizontes do Festival de Veneza (de 2015)”, conta a diretora.

Embora a questão de gênero estivesse em segundo plano para a diretora e o foco fosse o processo de transformação de Bia e suas amigas, Anita, como autora, queria desenvolver um tema que já estava em seus curtas O Vampiro da Meia-Noite, Handebol e Os Mortos-Vivos. “Para mim, Mate-me sempre foi um filme sobre como os jovens lidam com a morte. E eu tenho essa ideia, que gosto. Como a vida mais ordinária pode tornar-se extraordinária, com um lugar para a fantasia.” É o que ocorre em Mate-me por Favor. Não é só o fato de os adultos ficarem fora de quadro, e não aparecerem. Há uma construção espacial muito interessante, essa fascinação pela zona oeste do Rio que já se manifesta de cara, na cena inicial. O posto de gasolina, um espaço vazio de um lado e o grupo de jovens que comemora ruidosamente de outro.

Vai se introduzindo assim, imediatamente, uma espécie de vazio existencial. “O filme é sobre como é ser jovem nos dias de hoje, sobre as pulsões e os desejos que podem passar pela cabeça de uma jovem, mas eu queria que tudo isso se passasse num universo bem particular e exagerado, daí os crimes, o cenário.” Assim como conta sobre suas intenções, Anita Rocha da Silveira tem a mesma objetividade para falar de alegrias, e decepções. “Quando o filme começou a ser comentado no Festival do Rio, e até ganhou prêmio, achei que minha vida fosse mudar. Tenho uma parceria muito boa com a (produtora) Vânia Catani, da Bananeira Filmes, mas achei que iam surgir convites para dirigir alguma coisa. Durante todo esse ano segui com roteiros, consultorias artísticas, e nada mais. Não estou me queixando, mas a vida não está fácil – para ninguém. E agora tem esse friozinho na barriga, pré-lançamento. O ano está duro para o cinema brasileiro. O público só vai nas comédias blockbusters.” Subentendida fica a interrogação – o público vai ver Mate-me por Favor? Qualidades não faltam ao filme e entre elas está a trilha, à base de funk. Suspense, terror. Desde sua apresentação no Festival do Rio no ano passado, culminando com o Redentor de melhor atriz para Valentina Herszage, o rótulo de ‘filme de gênero’ colou em Mate-me por Favor. Numa entrevista por telefone, a diretora Anita Rocha da Silveira conta que nunca pensou no filme nesses termos. O que sempre lhe interessou foi a história das garotas, e da garota, em pleno rito de passagem. Bia, a personagem de Valentina, é adolescente. Um monte de coisas está ocorrendo dentro dela, ao seu redor.

“E o que eu queria era colocar esse turbilhão na tela, processar as transformações todas. O filme nasceu junto com uma paisagem, a Barra da Tijuca (no Rio). Foi lá que fiz meu curta Handebol, em 2010. Gostei daqueles blocos de prédios massificados, das áreas abertas, desoladas. E me dei conta de que o desenvolvimento da Barra é uma coisa ainda recente, dos anos 1990 para cá. A rigor, aquilo não tem muita história nem moral, mas viveu um desenvolvimento acelerado. A transformação das garotas poderia ter seu contraponto na paisagem. Elas também ainda não têm muita história. Estão construindo a delas.”

A diretora admite que está nervosa. Já se passou quase um ano desde o Festival do Rio do ano passado, e só agora - nesta quinta, 15 - o filme está estreando. “Vai ser em torno de 40 salas”, informa. O curioso é que, mesmo com atraso, Mate-me por Favor será o primeiro de uma série de filmes sobre jovens, realizados com um perfil mais artístico - Barata Ribeiro 716, de Domingos Oliveira, a juventude dos anos 1960, pré-golpe militar (e o filme venceu o Festival de Gramado), e Tamo Junto, de Matheus Souza. Os outros são comédias, mesmo que, eventualmente, com uma pitada de drama. Mate-me tem suspense.

“Talvez essa coisa de gênero venha da montagem, porque, para contrapor às transformações das amigas, o filme acrescenta a história do serial killer que está agindo na Barra. Elas passam a se interessar pelo caso, a investigar. O clima de medo acentua outras coisas - a insegurança que estão sentindo, seus temores face ao mundo adulto.” Justamente, os adultos. O filme vê o mundo do ângulo das garotas, e dos adolescentes em geral. Nenhum adulto - “Só o irmão da protagonista, que tem 19 anos, mas ele também está vivendo um conflito típico de adolescente”, explica a diretora. E ela reconhece o que talvez seja seu maior acerto. As jovens atrizes são ótimas. Valentina foi um grande achado.

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ENTREVISTAValentina Herszage - ATRIZ - ENTREVISTA

'Nossas gírias deram verdade ao filme'

Valentina Herszage tinha 15 anos quando fez Mate-me por Favor e 18 quando viu o filme pela primeira vez. Foram experiências muito intensas. A maioria do elenco se reencontrou no Festival de Veneza, onde o filme passou na Mostra Horizonte (e ganhou o prêmio da crítica). Prêmios, por sinal, não têm faltado ao filme, e Valentina recebeu o Redentor de atriz no Festival do Rio, há quase um ano.

Como foi ser premiada no Rio?

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Foi incrível e inesperado. Fui à premiação como curtição, porque estava adorando o festival. Quando Nanda Costa falou meu nome, fiquei paralisada. Via as pessoas gritando e pulando ao meu redor, mas era em câmera lenta. Não conseguia acreditar.

Três anos representam muito na vida de uma adolescente. Lembra do que sentiu ao ler o roteiro? E ao ver o filme pronto?

Achei que seria um grande desafio, que teria de testar meus limites, de superar barreiras, mas que valeria a pena. Não sei o que esperava ao ver o filme, mas ele me surpreendeu. Anita (a diretora Rocha da Silveira) entendeu a gente. Ela tinha o roteiro, mas nos escutava. Permitiu que a gente colocasse voz, nossas gírias. Isso deu verdade ao filme.

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Aprendeu algo com a Bia?

O que mais me agradou na personagem foi a sua coragem. Ela ousa, vai em frente. Sou um pouquinho assim, mas Bia é muito mais. Para uma atriz é ótimo, o estímulo a sair do conforto, a se testar. O filme também é sobre amizade feminina e o poder da mulher. Ficaram amigas de verdade? Super! A Dora (Freind) já era minha melhor amiga. Fizemos o teste juntas e foi massa quando fomos selecionadas. Com a Júlia (Roliz) tinha feito curso de teatro e a Mari (Mariana Oliveira) foi uma descoberta. Estamos cheias de expectativa. Agora, é com o público.

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