Cláudia Abreu desdobra-se em novela, série e filme que aborda o mundo trans

No longa 'Berenice Procura', que estreia no ano que vem, atriz interpreta uma taxista

PUBLICIDADE

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

RIO - Cláudia Abreu e Isabelle Drummond já foram mãe e filha na novela Geração Brasil, na faixa das 7. Agora farão a mesma personagem na nova novela de Maria Adelaide Amaral (e Vincent Villari), A Lei do Amor, que vai substituir Velho Chico. Na primeira parte, Isabelle vive um grande amor que não dá certo. Na sequência, a personagem, madura, vira Cláudia, que volta para os desdobramentos da trama inicial. Cláudia mal havia encerrado sua participação no set de Berenice Procura, o longa da produtora Elisa Tolomelli, adaptado do livro de Luiz Alfredo Garcia-Roza, e dois dias depois, já estava no Projac, nos ensaios da próxima novela das 9, na Globo.

Houve uma primeira etapa de ensaios, com o elenco da primeira fase. Depois, uma segunda. Cláudia Abreu participou de ambas. Afinal, mesmo com outra cara (a de Isabelle), sua personagem atravessa a trama toda. “Eu amo os textos da Maria Adelaide. Ela escreve tão bem... E cria personagens humanas, densas. Acho sempre uma responsabilidade fazer textos de autores assim, mas é gostoso. Mais que isso: preciso. A gente tem de fazer alguma coisa que nos coloque à prova. Fazer sempre a mesma coisa é muito chato.” Cláudia não tem currículo só na TV - onde explodiu com Anos Rebeldes, em 1992. Tem no cinema, também. Fez, entre muitos, O Que É Isso, Companheiro? e Guerra de Canudos.   E, agora, Berenice. Claudia adentra o universo transgênero. No livro de Garcia-Roza, a personagem é uma travesti, circulando no universo da baixa Copacabana em que se passam as tramas do escritor. A transposição para o cinema faz da travesti uma transexual. Quem é Berenice, e o que procura? O que procura a própria Cláudia Abreu? Casada, mãe, ela é uma mulher moderna que vive no fio da navalha, conciliando vida profissional e familiar. Não desiste de sonhar. “Gosto de coisas que me desafiem.” A volta às novelas, dois anos depois de Geração Brasil, coincide com outro projeto de TV, no canal Gloob.

A atriz Claudia Abreu Foto: Wilton Junior|Estadão

PUBLICIDADE

Na trama de Luiz Alfredo Garcia-Roza em Berenice Procura, um menino de 2 anos, filho de um diplomata, brinca com uma pá nas areias de Copacabana e descobre um corpo. Trata-se da travesti Valéria, que foi assassinada. Cansada de ser, como diz, apenas uma caixa de ressonância da cidade, uma motorista de táxi resolve investigar o caso. Na versão para cinema, Berenice continua taxista, mas Valéria virou Isabelle e é transexual. Não parece muita coisa, mas é uma diferença e tanto.

Além de taxista, a Berenice do filme é ex-mulher de um repórter policial e tem um filho. O garoto ainda não formou uma identidade sexual, mas está circulando pelo mundo LGBT. A transexual é assassinada na boate que ele frequenta e, ao investigar, Berenice descobre o envolvimento do próprio ex-marido. Cláudia Abreu, que faz Berenice no filme de Allan Fiterman, conversa com o repórter na The Week, uma famosa casa noturna do Rio. A cena gravada nessa tarde, com extensa figuração, é justamente aquela em que a transexual participa do concurso que vai transformá-la em estrela da casa.

É um flash-back. O repórter vive uma situação quase surreal. Fala com Cláudia, com Du Moscovis (o ex-marido), Flávia Guimarães (a roteirista), Elisa Tolomelli (a produtora) e Allan Fiterman (o diretor), menos com Valentina Sampaio, que faz a transexual, e é uma transexual de verdade. O tempo todo em que o repórter visita o set de Berenice Procura, que está previsto para estrear em março de 2017, Valentina está sempre no centro do palco, com seu longo transparente que o canhão de luz torna mais transparente ainda. Todo o mundo conta para o repórter quem é a personagem, e quem é Valentina.

Nascida menino numa aldeia de pescadores do Ceará, o pai e a mãe deram sempre apoio ao filho, que se sentia menina. Já como Valentina, virou top. Berenice Procura é sua estreia no cinema. “Valentina é maravilhosa. O público vai tomar um choque, quando a vir. Quem é essa mulher? De onde veio?” Cláudia já deu entrevista sobre o filme e apareceu na imprensa que ela era fascinada por esse universo ‘marginal’. Não é nada disso. “Acho que Valentina, que todas essas travestis e transexuais que você está vendo aqui, são o futuro. Essas pessoas são a vanguarda de um novo comportamento sexual. Deixaram para trás os gêneros. Pensa comigo. Adoro ser atriz, criar personagens que são diferentes de mim e que me permitem compreender o outro. Hoje em dia, atriz é celebridade, mas há um século era marginal. Tinha de ter carteirinha de saúde como as p... Então, não é fascínio pela marginalidade. São pessoas. Reivindicam um outro olhar. A Valentina se fez mulher, e é esse espanto, essa beleza. Sou totalmente a favor.”

O set ferve de drags, de transexuais. Muitas plumas, paetês. O mais discreto é um senhor de meia-idade, de terno, muito bem-composto, mas com um sapato de strass colorido, que brilha quase tanto quanto o canhão que ilumina Valentina no palco. Num certo sentido, Cláudia é a estranha nesse ninho. Berenice não pertence a esse universo, mas ela vai adentrar e as descobertas, do ex-marido e do filho, vão confrontá-la com suas certezas. Flávia Lacerda é quem ia dirigir, mas desistiu e recomendou o amigo Allan Fiterman, que estudou cinema nos EUA e, no Brasil, tem dirigido mais novela. Fiterman embarcou na hora. A Globo deu uma força e o liberou. Duas atrizes passaram pela Berenice, incluindo Camila Pitanga, sem se fixar. Como um pedido de socorro, Fiterman chamou a amiga ‘Cacau’. Cláudia Abreu reflete - “Ele acha que eu o socorri, mas o Allan me deu esse presentão. É uma belíssima personagem e eu estou adorando isso aqui, esse set. É uma energia muito grande. Faço cinema, faço TV e sinto que a pegada é diferente. Lá (na Globo), o Allan faz televisão, e muito bem. Aqui, está fazendo cinema, e também está sendo ótimo. Coloco a maior fé de que o filme vai ser bom.”

Publicidade

Casada há quase 20 anos com o diretor José Henrique Fonseca, mãe de quatro filhos (Maria Maud, Felipa, José Joaquim e Pedro Henrique), Cláudia Abreu, aos 45 anos, está mais bela do que nunca. Sorry, meninas, mas naquela boate ela brilha mais que qualquer paetê. Como qualquer mulher moderna, ela tem de vencer uma batalha por dia. Não é fácil ser mulher, mãe, atriz, “mas a gente tenta, né?”. A volta à televisão, dois anos após Geração Brasil, está sendo dupla. Além da novela de Maria Adelaide Amaral (e Vincent Villari), A Lei do Amor, Cláudia tem outro projeto no canal Gloob, que começou a gravar no fim do mês. Não dá para falar muito porque o canal quer fazer um lançamento especial, mas Os Valentins é um infantil de autoria da própria Cláudia. “É sobre quatro irmãos sozinhos numa casa cheia de invenções malucas. Tem também um antigo amigo da família, que, na verdade, pode ser um vilão sinistro. A ideia é trabalhar o medo no inconsciente das crianças.” A produção é da Zola, empresa da qual Cláudia é sócia. “Zé Henrique (o marido) é quem está formatando. Ele dirige o episódio inicial e segue com a direção-geral. Acho que as crianças, e não só elas, vão gostar. E mais não posso falar.”

Sobre A Lei do Amor, Cláudia, encantada com o texto de Maria Adelaide, só acrescenta que formará trio com Reynaldo Gianecchini e José Mayer. E já tem outro projeto de filme para 2017. “Vai ser uma releitura da personagem Chayane, da novela Cheias de Charme. “A história é muito engraçada”, garante.Uma visita ao set do longa baseado no livro de Garcia-Roza No centro do palco, iluminada pelo canhão de luz, Valentina Sampaio põe sentimento na sua interpretação visceral de Amor Marginal, de Johnny Hooker. “De uma outra dor/ Do nosso caso imoral/ Desse amor/ Desse amor marginal/ Eu vou/ Pra calar o sexo mais banal/ Pra virar poesia/ Desse amor marginal/ Eu vou...” É uma tarde de muito calor no Rio, mas o clima ferve ainda mais dentro da The Week, uma balada LGBT que, neste dia, abriga o set de Berenice Procura. O filme baseia-se no livro de Luiz Alfredo Garcia-Roza. É uma de suas narrativas policiais que não são protagonizadas pelo inspetor Espinoza.

Berenice é uma taxista que se envolve na investigação do assassinato de uma transexual - no livro de 2005, a personagem, é travesti. “A gente atualizou porque a travesti não causa mais o estranhamento da época quando Garcia-Roza escreveu o livro. A identidade sexual é um tema da maior atualidade. Não se trata de fazer sensacionalismo nem exotismo. É a abordagem de um mundo que ainda gera preconceito e mal-entendido”, explica o diretor Allan Fiterman. A produção é da EH! Filmes de Elisa Tolomelli, que iniciou o projeto com outra diretora (Flávia Lacerda) e outra atriz, na verdade, atrizes - Luana Piovani e Camila Pitanga, em diferentes momentos, iam fazer Berenice, mas quem ficou com o papel é Cláudia Abreu.

A cena filmada é um flash-back. Isabelle participa de um concurso para escolher a estrela da boate. Canta o tema de Johnny Hooker. A produtora pergunta na lata para o repórter - “Qual título você prefere? Berenice Procura ou Amor Marginal?” O segundo tem mais apelo de público. “Tem, mas o que a gente quer evitar é justamente essa conotação de marginalidade. Visceral, sim, marginal, não. É uma questão de respeito com nossas trans”, diz a roteirista Flávia Guimarães, também presente no set. Valentina Sampaio, que faz Isabelle, é transexual de verdade. Fez-se mulher, fez carreira como top model e agora inicia nova fase como atriz. A impressão é de que está se dilacerando no set, quando canta a poesia do amor marginal.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

“Pode aplaudir, gente, mas tem de aplaudir de verdade. É um concurso. Quem gostou tem de fazer ruído”, grita o diretor. Não é preciso pedir duas vezes. Aplausos, gritaria. É um clima de final de The Voice. Fiterman acompanha a cena pelo monitor. A cena é filmada em plano geral, à distância, e depois num lento movimento de câmera em direção a Valentina/Isabelle. Fiterman capta imagens do público, para usar como inserts. Uma primeira montagem estava prevista para ficar pronta nesta semana que passou. A estreia programada é para março de 2017.

Allan Fiterman estudou cinema em Los Angeles. De volta ao Brasil, dirigiu novelas. Ciranda de Pedra, Cheias de Charme, Geração Brasil - as duas últimas com Cláudia Abreu. “Admiro muito a Cacau e não conseguia ver outra atriz no papel. Nela, tenho confiança integral.” A recíproca é verdadeira. Em 2009, Fiterman dirigiu para cinema Embarque Imediato, acumulando a direção de fotografia. “Não renego nada, até porque Embarque foi um grande aprendizado e trabalhei com atores maravilhosos. Marília Pêra, José Wilker... Mas Berenice Procura é outra coisa. Mais denso, forte. Esse é o tipo de cinema que sempre quis fazer e agora estou fazendo.” Du Moscovis, que na trama é o repórter policial ex-marido de Berenice, assiste à performance de Valentina. “Ela é poderosa.” O set é uma loucura. Drags, trans, bofes sem camisa. E Valentina Sampaio cantando “nosso caso imoral, desse amor marginal”.