Clássicos do cinema nacional são restaurados

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Por Agencia Estado
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A restauração dos filmes Alô Alô Carnaval, de Ademar Gonzaga, Menino de Engenho, de Walter Lima Júnior, e Carnaval no Fogo, de Watson Macedo, dá alento à preservação da memória cinematográfica brasileira. Os filmes, de períodos distintos, mas igualmente importantes, serão recuperados com o patrocínio da BR-Distribuidora (por meio da Lei Rouanet), e a exibição da cópia nova está prevista para o próximo Festival do Rio, também patrocinado pela estatal, em setembro. Outros títulos importantes como Bonequinha de Seda, O País de São Saruê, Colégio de Brotos, Ruas sem Sol e O Massagista de Madame entram na fila para "ressuscitar". No jargão do meio cinematográfico, um filme "morre" quando a cópia se apaga e fica sem condições de ser refeita ou exibida. É o destino de boa parte da produção nacional, inclusive recente, dos anos 80, até pelo material de que são feitos, um acetato perecível se não for guardado em condições muito especiais. "Quando me perguntam por que esses títulos, digo que escolhê-los é fácil - difícil é deixar os outros filmes esperando", diz a presidente do Centro de Pesquisadores do Cinema Brasileiro (CPCB), Myrna Brandão. "Nossa intenção é exibi-lo, preferencialmente em salas tradicionais, mas também na televisão, DVD e outros suportes." Não é fácil porque os custos são altos. Menino de Engenho, o primeiro filme de Walter Lima Jr., feito em 1965, no apogeu do cinema novo, vai custar R$ 90 mil porque existe uma cópia completa em 16 milímetros e, por ser recente, não ficou muito tempo se deteriorando. Carnaval no Fogo, de 1956, auge da chanchada, tem Eliane Macedo como mocinha, Anselmo Duarte e Cyl Farney como galãs, e Oscarito e Grande Otelo fazendo palhaçadas. Apesar de custar R$ 80 mil, sua restauração é mais complicada porque não existe uma cópia completa. "Buscamos pedaços do filme em várias fontes, até com a viúva de Oscarito, Margot Louro, que mora no sul de Minas", conta Myrna. Nesses casos, é um trabalho de arqueologia. "A cena de Aviso aos Navegantes em que Adelaide Chioso canta Beijinho Doce foi montada com pedaços vindos de mais de 20 fontes." Essa garimpagem poderá ser facilitada quando ficar pronto o Censo Cinematográfico Brasileiro, que vai localizar onde está, com quem e em que estado se encontra a produção nacional desde o fim do século 19. Cerca de 80% desse acervo está com a Cinemateca Brasileira e o Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio. No entanto, há filmes com pedaços espalhados pelo Brasil afora porque os exibidores não os devolveram. "Nesse caso, é preciso saber ao menos que eles existem porque na reconstituição do original até um quadro é importante." Talvez esse censo, ainda sem prazo para terminar, dê pistas de obras importantes tidas hoje como perdidas. O primeiro filme brasileiro falado, Acabaram-se os Otários, Barro Humano e todos os feitos por Carmem Miranda, com exceção de Alô Alô Carnaval estão nesse caso. Outros títulos mais recentes também correm riscos. Na emergência, Myrna deu entrada, no Ministério da Cultura, com o processo de patrocínio pela Lei Rouanet para restauração de mais quatro títulos, O País de São Saruê, documentário de Vladimir de Carvalho, feito em 1971, Colégio de Brotos, dirigido por Carlos Manga, em 1956; Ruas sem Sol, de Alex Vianny, de 1954, com Glauce Rocha e músicas de Mário Lago e O Massagista de Madame, de 1959, estrelado por Zé Trindade e com Costinha e Renata Fronzi no elenco. A escolha abrange correntes distintas da produção nacional, mas o critério de escolha do CPCB mistura urgência, representatividade, orçamento e chances de exibição. "O problema da preservação dos acervos existe até nos Estados Unidos onde a indústria cinematográfica é forte", ressalta Myrna Brandão. "No Brasil, é um item não contemplado pela Lei do Audiovisual e dá pouca visibilidade às empresas que patrocinam" diz. Além disso, acrescenta, o cinema nacional não tem espaço na mídia. Cinédia- A restauração de Alô, Alô Carnaval, de 1936 vai custar mais que Menino de Engenho e Carnaval no Fogo juntos: R$ 260 mil porque será feita quadro a quadro (na época, o negativo tinha outra medida), e a banda sonora será remasterizada digitalmente. O filme, um musical, foi dirigido por Ademar Gonzaga, que criou a Cinédia, sonhando com uma Hollywood brasileira. Tem participações de Francisco Alves, do Bando da Lua e das irmãs Carmem e Aurora Miranda (em dueto na música Cantoras do Rádio, vestidas com casacas masculinas brancas). De tudo que a Pequena Notável fez no Brasil, só sobrou este filme, que tem valor também afetivo para Alice Gonzada, filha do fundador da Cinédia. "Carmem só iria usar o traje de baiana no filme seguinte, Banana da Terra, que se perdeu - foi onde ela lançou Dorival Caymmi com a música O Que É Que a Baiana Tem?, conta. Lembranças à parte, os outros 24 títulos do acervo da Cinédia correm risco de se perder por uma catástrofe natural. Ficavam guardados dentro das normas técnicas mas, em 1996, uma inundação em Jacarepaguá destruiu os arquivos da produtora. A água iniciou a deterioração. Em 1998, a Riofilmes relançou O Ébrio, de Gilda de Abreu, com Vicente Celestino, que teve público de cinco mil pessoas. Agora, ela busca patrocínio (com projeto já aprovado no Minc) para Bonequinha de Seda, sua próxima batalha. "É preciso lembrar que consegui, no Ministério da Cultura, R$ 40 mil, e fiz nova cópia de Caídos do Céu, Está tudo Aí e Berlin na Batucada", acentua Alice. "Não é o mesmo que restaurar, mas dá uma sobrevida aos filmes."

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