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Autor português analisa referências estéticas e religiosas de seu novo filme, 'O Ornitólogo'

Em entrevista de Bogotá, João Pedro Rodrigues decifra o seu ornitólogo do seu novo e brilhante filme

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Quando criança, João Pedro Rodrigues sonhava ser cientista, mas por uma razão bem específica – “Amava as aves e queria estudar a vida dos pássaros.” Chegou a fazer biologia. Então, como conta, O Ornitólogo, seu novo filme, que estreou na quinta, 30, nos cinemas brasileiros, teve uma gênese muito antiga em sua vida. “Acho que foi o filme que sempre quis fazer.” A entrevista é feita de Bogotá, por telefone. Teve de ser feita num dia e horário específicos porque logo em seguida Rodrigues ia entrar em férias, viajando, inicialmente, pela própria Colômbia.

Paul Hemy em cena do filme Foto: Vtrine Filmes

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“É um país fascinante. Estou aqui ministrando uma oficina de direção na Universidade Autônoma. Encontrei jovens muito interessados, e o cinema colombiano está numa fase muito boa. Forte, diversificado.” O Ornitólogo abriu na ano passado o Mix Brasil, festival de diversidades (no plural) sexuais. Rodrigues não se preocupa com o gueto nem com o rótulo de cineasta gay, que o persegue desde O Fantasma. “Em toda parte ouço que o filme incendeia o imaginário LGBT, mas, francamente, não me preocupo com isso. Nos EUA, principalmente, também dizem que sou um diretor de ‘arthouses’, de cinema de arte e ensaio. Não entendo nada disso como crítica ou restrição. É a minha maneira de olhar o mundo e o cinema, e procuro aprofundá-la, a cada filme.”

O Ornitólogo abre-se com o protagonista em plena natureza, observando os pássaros a distância. Alguma coisa a ver com o episódios dos pássaros de As Mil e Uma Noites, de seu compatriota Miguel Gomes? “Nada a ver. Miguel é meu amigo, mas nunca nem conversamos sobre isso. E, depois, como já lhe disse essa coisa dos pássaros sempre esteve comigo.” É um filme muito pessoal, mas não autobiográfico. E foi muito influenciado pelas locações e pelo elenco. “Quando escolhia as locações, percebi que aqueles cenários exigiam algumas coisas. Assim, fui me impregnando. Pelo elenco, também. Não conhecia o ator Paul Hamy, mas quando o coprodutor francês me sugeriu que o encontrasse, não demorou muito para que eu percebesse que, sim, ele podia ser o gajo.”

Rodrigues é a prova da diversidade do cinema português. Morreram Manoel de Oliveira e João César Monteiro, mas permanecem Miguel Gomes, Pedro Costa e ele. “Creio que existe, sim, uma maneira portuguesa de filmar. É um cinema de resistência, e talvez tenha a ver com o fato de que, boa parte do século 20, Portugal viveu sob uma ditadura (a de Antônio Salazar). A religiosidade também sempre foi, e ainda é, dominante.” Rodrigues não sabe dizer, exatamente, em que momento começou a integrar ao personagem episódios da vida de Santo Antônio de Pádua, transpostos para o mundo atual. “Antônio de Lisboa, ou Santo Antônio de Pádua, foi um doutor da Igreja que viveu na virada dos século 12 e 13. Franciscano, foi asceta, místico, teólogo e a tradição registra que foi um grande orador e taumaturgo. Seu culto é muito forte em Portugal, e o mais interessante é que ele viveu no limite do conhecimento da literatura religiosa e das ciências profanas.”

No filme, o ornitólogo perde-se na floresta, sofre um acidente com seu caiaque e é salvo por duas peregrinas chinesas que fazem o Caminho de Santiago. Sua jornada prossegue por meio de rituais estranhos e sugestivos encontros com garotos gays, senão não seria um filme de Rodrigues. Muita gente identificou no filme influências de Pier Paolo Pasolini ou Apichatpong Weerasethakul. “Respeito os dois, admiro muito Apichatpong. Mas não tem nada a ver, embora a floresta tenha algo de O Mal dos Trópicos (do segundo).” Em definitivo, O Ornitólogo é um grande filme.