Após anos sem atuar, a atriz Ana Paula Arósio retorna no filme 'A Floresta Que Se Move'

Ela fala que já desejava fazer Lady Macbeth

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

RIO - Ana Paula Arósio vem flertando com o prêmio de interpretação feminina do Festival do Rio há tempos. Em 2010, por Como Esquecer, de Malu de Martino, tinha todas as condições para vencer o Redentor. O júri, ofuscado por sua beleza, não recompensou a atriz. Pode até ser que, de novo, não tenha ganhado ontem à noite o Redentor, mas não terá sido por falta de brilho. Sua Lady Macbeth é contemporânea sem deixar de ser imperial em A Floresta Que Se Move, o longa que Vinícius Coimbra adaptou da peça de Shakespeare. A Floresta, por mais qualidades que tenha, não supera A Hora e a Vez de Augusto Matraga, do mesmo Vinícius, em exibição nos cinemas, mas é um ato de coragem. 

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Transpor o verbo do bardo para a cena contemporânea, e para o meio financeiro, é um desafio e tanto. A curiosidade é que Ana Paula já vinha flertando com o papel. Confessou numa entrevista realizada no domingo à tarde, no Cine Odeon - Centro Cultural Luiz Severiano Ribeiro, enquanto esperava pelo debate após a sessão popular do filme no festival. Estava radiante. Falou de cinema, TV, da vida tranquila na Inglaterra - e do marido cavaleiro, que treina para integrar a equipe de hipismo do Brasil na Olimpíada do Rio. Aos 40 anos, Ana Paula, que mora na Inglaterra, fica no Brasil para acompanhar o filme na Mostra. A estreia nos cinemas será em 5 de novembro.

Revi o filme de Vinícius Coimbra e na sala estava Cláudio Fontana, que me informou: o diretor Gabriel Vilella havia convidado você para ser a lady dele, no teatro, mas quem fez a personagem, em travesti, foi o Cláudio. Confirma?

Totalmente. Vi o Claudinho na sala do Lagoon, mas, quando procurei por ele, havia sumido. Gabriel me convidou, sim, e fiquei muito tentada, mas depois tive problema de agenda. Há tempos que eu flerto com a Lady Macbeth. Sempre fui muito atraída por esse universo de som e fúria, pelas tragédia de Shakespeare, mas, quando era mais jovem, muita gente quis fazer Romeu e Julieta comigo. Com todo respeito, e sem querer parecer presunçosa, achava que seria muito fácil. Nem Julieta nem Ofélia (de Hamlet) me atraíam. Queria a Lady, que me parecia um desafio muito maior.

Aceitou logo o convite de Vinícius (Coimbra)?

Não foi tão fácil nem tão imediato assim. Fiquei supertentada, mas aí houve aquela coisa de cinema. A verba demorou, a data foi sendo postergada. Achei que o projeto havia naufragado, mas um dia recebo o telefonema do Vinícius dizendo que estava indo para a Escócia e me convidando para visitar as possíveis locações com ele. Encontrei-o e foi uma experiência muito rica. Conversamos muito sobre o que ele queria fazer e como queria que eu fizesse o papel. Não tinha mais recuo. A minha Lady estava nascendo.

E ela é muito forte. Vi em Cannes a versão de Justin Kurzel e...

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...Com a Marion Cotillard? Ai, me diga como ela está? Admiro muito a Marion e só de saber que estamos criando a mesma personagem em obras contemporâneas já me deixa superapreensiva. Cada autor tem a sua visão. Vinícius tem a dele. Não queria ‘psicanalisar’, propondo explicações psicológicas para o que Macbeth e a Lady fazem.

Kurzel começa a versão dele com o casal enterrando o filho...

... Era o que Vinícius não queria. Que a ambição deles fosse explicada por esse vazio. Inclusive, há uma referência muito breve a esse filho. O importante é a letra de Shakespeare, o texto. É preciso embocadura para dizer um texto tão grande. Foi o maior desafio.

Mas havia outros. Nunca vi um elenco brasileiro tão elegante. Não é só a roupa. É o porte. Existe até um crédito para quem cuidou de seus cabelos. Aliás, você cortou. Está linda.

Gostou? É bom mudar. Faz a gente se sentir mais jovem. Mas você tem razão. Quando vi meu figurino, brinquei com o Vinícius - “Nossa, como sou rica!”. A personagem não é nobre, mas tem dinheiro e é refinada. Tudo ajudava a compô-la. O figurino, o porte, o cabelo. Foi um trabalho muito consciente e acurado. Vinícius sabia o que queria e nos empurrava para conseguir.

A última vez que a vi foi no set de Como Esquecer. Você parecia sofrida. Agora a reencontro sorridente e feliz. Qual é o segredo?

Você acaba de dizer. Estou feliz. Muito bem-casada com o Henrique (o cavaleiro Henrique Pinheiro Plombon). Na época, eu vivenciava a crise da personagem. Fui fundo. O texto de Macbeth é noturno. Vinícius filmava à noite. Varávamos as madrugadas. Deveria estar acabada, mas estou em outra fase. É muito bom amar e ser amada.

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Você está vivendo na Inglaterra. Em Londres?

Que nada! Vivemos na zona rural, em Swindon, a centenas de quilômetros de Londres. Numa aldeia com 450 habitantes. Ando de pés descalços, cuido dos animais com o Henrique. Ele tem um treinador que é the best, Mark Todd. Cuidamos dos cavalos, temos nove cachorros. Cozinho para ele, cuido da alimentação saudável do meu marido. Na verdade, é uma vidinha bem simples, rotineira, mas eu gosto. Tenho tempo de ler, leio inclusive tudo o que me propõem. E escrevo. Escrever me ajuda a descobrir quem sou.

Você tem esse lado Greta Garbo. Misteriosa, reclusa. Já pensou em publicar seus textos para a gente saber mais sobre Ana Paula Arósio?

Greta Garbo, eu? Gosto de meus textos, mas os melhores já têm um tempo. Talvez tenham ficado velhos. Mas você não é o primeiro a querer vasculhar minhas gavetas. Tenho amigos que acham que eu devia publicar, sim.

As pessoas sabem quem você é na aldeia?

Nãããoooo. Outro dia fui ao pub, o Oak, com uma amiga de lá. Havia uns brasileiros e ela ficou surpresa com a reação deles quando me viram.

Nenhuma proposta de TV depois que você abandonou aquela novela?

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Insensato Coração? Naquele momento, não dava. E, agora, a prioridade é o Henrique. Ele está dando duro para a Olimpíada. Treina no escuro, porque só vai saber se vai integrar a equipe no ano que vem. Atleta sofre demais. Perto da disciplina deles, nossa vida num set de filmagem é moleza.

 

Após 5 anos longe da TV, ainda é convidada a voltar -CRISTINA PADIGLIONE 

 

Foi Nilton Travesso, então diretor de teledramaturgia do SBT, quem convenceu a direção da emissora a contratar Ana Paula Arósio, sem permitir que ela fosse imediatamente engolida pelo ritmo da indústria televisiva. A aquisição foi justificada com breve participação na novela Éramos Seis (1994), como quem exibe uma pedra a ser lapidada. Dali até gravar de fato sua primeira novela, Razão de Viver (1996), foram quase dois anos de vencimentos mensais e muito Stanislavski na veia, pelas aulas de interpretação de Beto Silveira, ex-professor da Oficina de Atores da Gl0bo, pagas pelo SBT.

Veio Ossos do Barão (1997) e, antes que seu contrato chegasse ao fim, a Globo lhe propôs papel de protagonista: explodiu como Hilda Furacão, na minissérie homônima adaptada por Glória Perez. Num episódio inédito, que jamais se repetiu, Silvio Santos recusou-se a rescindir seu contrato, mas “emprestou” sua estrela à Globo. Após a minissérie, tomou-a de volta e aproveitou sua consagração em uma nova produção de teleteatros.

Voltou à Globo ainda em 1998. Esteve na linha de frente das novelas Terra Nostra, Esperança e da minissérie Os Maias, todas dirigidas por Luiz Fernando Carvalho, que agora a convida a fazer Velho Chico, de Benedito Ruy Barbosa, próxima novela das 9. Se aceitar, será sua volta à Globo, cinco anos após ter se demitido do posto almejado por 10 entre 10 atrizes no Brasil, ainda em 2010, quando abandonou o papel de mocinha em novela de Gilberto Braga (Insensato Coração). / CRISTINA PADIGLIONE 

 

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