Análise: 'Manifesto' revela-se um elaboradíssimo exercício intelectual

Cate Blanchett interpreta com veemência todos seus textos

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Por Glenn Kenny
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Filmes adaptados de instalações raramente saem bons, mesmo que a obra de arte tenha um forte elemento cinematográfico. Manifesto, de Julian Rosefeldt, que nasceu como uma instalação artística, correu mundo e, recentemente, chegou a Park Avenue Armory, em Manhattan. Consiste de leituras filmadas de manifestos artísticos e políticos, começando com o Manifesto Comunista de 1848, de Marx e Engels, e avançando pelo século 20 com Dada, Fluxus e mesmo as regras para filmagem de Lars von Trier, que originaram o movimento cinematográfico Dogma 95.+ 'Manifesto', do alemão Rosefeldt, reflete sobre a interação entre arte e política No formato de instalação, 13 leituras são exibidas simultaneamente em 13 telas, desafiando o espectador a extrair coerência de uma Babel audiovisual. Na versão cinematográfica, as cenas são apresentadas linearmente, mas uma delas é dividida, com o filme começando e terminando por ela.

Cate Blanchett em 'Manifesto' Foto: Mares Filmes

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Os manifestos (o filme se baseia em muito mais de 13 textos, com alguns não passando de máximas de uma linha) não são apenas lidos, mas interpretados. Todos são apresentados pela camaleônica atriz Cate Blanchett. Mais que uma atriz, Cate é uma estrela de cinema, de alto grau de excelência. Essa é uma das muitas razões porque Manifesto é tão bom no formato cinematográfico.  Algumas das ambientações são talvez meio óbvias, o que não significa que não funcionem. É o caso do manifesto Dada, que anuncia morte da arte, encenado em um funeral. Já a síntese de Claes Oldenburg para a pop art (“Defendo uma arte política-erótica-mística”) é dita como prece de agradecimento numa refeição familiar. Em alguns casos, ações e palavras são conflitantes. No manifesto Flux, que denuncia a cultura da hierarquia e a alta posição do artista nessa cultura, Cate Blanchett interpreta com veemência o texto personificado como um autoritário coreógrafo russo. A justaposição de palavras, imagens e cenários às vezes é genialmente cômica, como quando Cate, fazendo uma apresentadora de TV de penteado armado e sorriso congelado, conversa sobre arte conceitual com uma apresentadora de boletim do tempo, também representada por Cate.

Como instalação, Manifesto pode ter sido cogitado como um choque sensorial. Como filme, é um elaboradíssimo exercício intelectual, impecável em cada detalhe técnico (a sonorização, de Fabian Schmidt e Markus Stemler, é particularmente extraordinária). O trabalho de Cate é incisivamente cerebral. Embora virtuosísticas, suas performances são propositalmente conscientes. Como avaliação e crítica política e da história da arte, em suas várias interações durante o século 20, Manifesto é ao mesmo tempo inteligente e provocativo. Não é, porém, um filme para quem esteja procurando uma trama. / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ

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