PUBLICIDADE

Análise: imbróglio no Oscar parecia uma metáfora dos dois vencedores, 'La La Land' e 'Moonlight'

A questão é: o imbróglio fortalece ou esvazia a vitória de Moonlight?

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Nunca houve um imbróglio como esse no Oscar. Parecido, talvez. Nos anos 1930, dois Frank, o Capra e o Lloyd, concorriam a melhor diretor, por Dama por Um Dia e Cavalcade. O apresentador da época abriu o envelope e disse – “Frank, c’me here”. Foi o Frank errado, o Capra. Quando ele chegou ao palco é que foi feito o esclarecimento. Era o outro. Naquele tempo, o Oscar não era o evento planetário de hoje, quando é transmitido ao vivo para 245 países. Isso até originou uma piada do mestre de cerimônia Jimmy Kimmel. Investindo contra o presidente Donald Trump e as reações que ele têm provocado desde que assumiu, Kimmel disse que “íamos (os EUA) fornecer motivos para que todos (esses países) nos odeiem”.

O produtor JordonHorowitz, de 'La La Land', mostra o nome verdadeiro vencedor do Oscar de melhor filme de 2017, 'Moonlight' Foto: REUTERS/Lucy Nicholson

PUBLICIDADE

Tem gente que passou boa parte do dia de ontem vendo e revendo a cena. Warren Beatty recebe o envelope com o anúncio do vencedor como melhor filme. Tem algo errado. Para o público, e para sua parceira de cena, Faye Dunaway – eles formaram a dupla clássica de Bonnie & Clyde, de Arthur Penn –, ele parece estar só fazendo gracinha, ou querendo prolongar o suspense. Faye anuncia o vencedor – La La Land. A equipe sobe ao palco, inicia os agradecimentos. Alguém interrompe. Não é uma piada. O vencedor é Moonlight – Sob a Luz do Luar. Havia uma polarização entre os filmes de Damien Chazelle e Barry Jenkins. Ela foi sendo construída ao longo dos 40 dias entre o anúncio dos indicados e a premiação.

La La Land foi indicado em 14 categorias, um recorde. No dia do anúncio, imediatamente criou-se uma polarização entre La La Land e Manchester à Beira-Mar, de Kenneth Lonergan. A posse de Trump e suas primeiras medidas – que provocaram repúdio na classe artística – foi que levaram à nova polarização. Oscar so white, mexicanos, imigrantes islâmicos, negros. De repente, Moonlight passou a ser o filme certo para o momento. Um filme sobre inclusão. Um garoto negro, gay e pobre precisa forjar identidades para ser aceito no mundo. Vive as vidas dos outros antes de se confrontar, no episódio final do filme, com a possibilidade de viver a própria vida. Comparativamente, o casal brancodeLa La Land parecia um retorno ao Oscar so white. Não era. O jazz, essencial dentro do filme, abraça a questão da negritude. Conflito entre tradição e modernidade. Ryan Gosling quer ser um revolucionário do jazz, mas está ligado à tradição. E o jazz é um corpo vivo, como o filme de Damien Chazelle mostra.

A questão é – o imbróglio fortalece ou esvazia a vitória de Moonlight? A Academia, dividida, celebrou a polarização que marcou toda a 89.ª edição do prêmio. Melhor direção (e outros cinco prêmios) para Damien Chazelle, melhor filme (e outros dois prêmios) para Barry Jenkins. O problema é que, no clima de confusão que se estabeleceu no palco do Dolby Theatre – a equipe de La La Land, que parou seus agradecimentos, a de Moonlight que agora corria contra o tempo, tentando dizer alguma coisa nos minutos finais da festa que se encerrava –, todo mundo falou a mesma coisa. São filmes sobre a necessidade de amor, sobre solidão, sobre dar e receber.O curioso é que La La Land passa um pouco esse sentimento de derrota. Ryan Gosling e Emma Stone chegam lá, mas não existe happy end. A cena do palco metaforizou o filme. Moonlight vai na contramão. Black tem, enfim, uma possibilidade de viver sua vida. O filme também, pois venceu.

Havia essa fantasia de que o Oscar seria marcado por atos contra Trump. Meryl Streep dera o tom ao receber a homenagem do Globo de Ouro. Mahershala Ali, o melhor coadjuvante (por Moonlight), como negro e islâmico, foi incisivo no Actors Guild. O problema é que todo mundo passou a impressão de recuar. Mahershala não foi tão duro, Viola Davis, melhor coadjuvante por Um Limite entre Nós, de Denzel Washington, não foi longe nas questões da pobreza e do racismo como tem ido nas entrevistas. Sobraram as provocações de Kimmel – o aplauso para Meryl Streep, os tuítes para Trump.

De forte mesmo, nessa noite decepcionante, só o Oscar de filme estrangeiro. Para O Apartamento, do iraniano Asghar Farhadi, o filme certo para o momento. Farhadi não foi. Fez ler um documento manifestando repúdio ao decreto de Trump que veta nos EUA a entrada de cidadãos de sete países de maioria muçulmana, incluindo o Irã. O filme foi ovacionado, e, aí, sim, houve uma tomada de posição. Sutilmente, ela prosseguiu, mas terá sido mera coincidência? Ninguém podia garantir a vitória de Farhadi, mas logo veio um mexicano, Gael García Bernal, apresentar os prêmios de animação, e foi aplaudidíssimo. E, depois de Gael, outra mexicana – Salma Hayek, também muito aplaudida ao anunciar o prêmio de curta documentário. Aqueles 15 minutos, se tanto, compuseram o núcleo duro - e mais político - desse Oscar.