Análise: Em 'Para Minha Amada Morta', força e fraqueza são relativos, como os pontos de vista

Drama familiar vira cinema de gênero, mas não satisfaz como thriller

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Baiano radicado em Curitiba, Aly Muritiba adquiriu projeção nacional e até internacional com seus filmes sobre o universo carcerário, que conhece desde o interior, por nele haver trabalhado – o curta Pátio, exibido em Cannes, o longa A Gente, ambos documentários. Seu novo longa é ficcional e, como ele diz na entrevista, tem tudo a ver com as memórias do cárcere que o perseguem, agente que foi. Na trama de Para Minha Amada Morta, Fernando descobre o lado escuro da mulher que morreu. Advogada, ela teve um tórrido affair com um presidiário. Gravava as cenas de sexo com ele. Mais que a potência do outro, persegue Fernando como um mantra a frase da mulher para o amante – “Você é a melhor coisa que aconteceu em minha vida.”

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O drama familiar vira cinema de gênero, mas não satisfaz como thriller. Como diz o texto de capa, a força do filme revela-se sua fraqueza – mas alguém poderá defender que se trata do oposto. A fraqueza do filme revela-se sua força. E a fraqueza é o outro Fernando, o Alves Pinto, ator. Não que seja um mau ator. Nãããoooo. Em sucessivos trabalhos com diretores/autores como Walter Salles (Terra Estrangeira), Lina Chamie (Tônica Dominante) e Lírio Ferreira (Árido Movie), entre outros, Alves Pinto já mostrou que é bom. Só não tem temperamento nem physique du rôle para ser herói de ação, no conceito hollywoodiano.

Nem o filme quer ser um thriller no sentido estrito, também hollywoodiano. Fernando, o personagem, infiltra-se na casa, na família do amante da ex-mulher. Quer se vingar, com certeza. Mas como? O roteiro sinaliza possibilidades. Ele se insinua para a mulher, a filha, mas não vai adiante. O contato com Salvador, o amante, fornece-lhe ferramentas – arma, pá, martelo. Alfred Hitchcock dizia que a verossimilhança do suspense está ligada a esse detalhes. Fernando, o Alves Pinto, como o da ficção, pega em armas, mas é ‘inadequado’, como diz o diretor. E o filme arma essa guerra de nervos. Esboça o suspense, a ação, mas não vai fundo. Fernando (Alves Pinto) não é Liam Neeson em defesa da honra, da família.

Foi um longo caminho até Para Minha Amada Morta chegar a 30 salas, senão de todo o Brasil, de 15 cidades, incluindo 13 capitais. No caminho, surgiu o conceito de uma certa ‘república de Curitiba’. É melhor, para evitar confronto, esquecer o detalhe, porque a advogada é uma bela da tarde, o crente admite que a carne é fraca e por aí vamos. Ninguém é perfeito, como diria Billy Wilder, no universo do filme. O ponto de Para Minha Amada Morta é a evolução de Fernando. A mulher de Salvador pergunta – “O que você está fazendo com a gente?” Nem Fernando sabe direito, mas ele se transforma. Salvador, também.

Ninguém é completamente forte, ninguém é completamente fraco. Para Minha Amada Morta passa a ser o segundo filme brasileiro em cartaz – após Mundo Cão, de Marcos Jorge, que curiosamente, é de Curitiba – em que o que ocorre com o cachorro serve de metáfora para o drama humano e familiar. Sangue, violência, vida, morte. O elenco é ótimo – Lourinelson Vladmir, que faz Salvador, e Giuly Biancato, a filha, foram melhores coadjuvantes em Brasília, recebendo dois dos sete Candangos outorgados ao filme. Entre os demais estão os de direção, para Muritiba, e o de fotografia para Pablo Baião, marido de Dira Paes na vida. Mayana Neiva, que faz a mulher de Salvador, é parecidíssima com Rachel Weisz, e consegue ser tão bela e boa atriz como a vencedora do Oscar de coadjuvante por O Jardineiro Fiel – dirigido, você deve se lembrar, pelo brasileiro Fernando Meirelles. Não faltam qualidades a Para Minha Amada Morta, mas é aquilo. A força e a fraqueza do filme são relativas. Estão no olhar de quem vê, mas quando não é assim no cinema? Gostar ou não gostar, eis a questão.