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Adam Sandler surpreende em "Embriagado de Amor"

No filme que estréia hoje, com direção de Paul Thomas Anderson, o ator revela um talento dramático que talvez nem ele soubesse possuir

Por Agencia Estado
Atualização:

No Festival de Cannes do ano passado, O Pianista, de Roman Polanski, ganhou a Palma de Ouro, mas o prêmio de direção foi dividido entre o mestre coreano Im Kwon Taek e o jovem americano Paul Thomas Anderson. O primeiro, por Bêbado de Mulheres e de Pintura. O segundo, por Punch-Drunk Love, que estréia hoje nos cinemas brasileiros com o título de Embriagado de Amor. Talvez seja considerado um filme desconcertante. Anderson, afinal de contas, tornou-se um dos grandes (o maior?) autor de sua geração com os vastos afrescos de filmes-corais como Boogie Nights - Prazer sem Limites e Magnólia. Com o segundo, chegou a ser chamado de "desmesurado". E agora ele propõe o que não deixa de ser um pequeno filme, embora a reflexão de Embriagado de Amor não deixe de ser, como Anderson gosta, bastante vasta. Em Cannes, na coletiva após a exibição de seu filme, Anderson disse que o filme saiu desse jeito porque queria fazer "alguma coisa diferente". Não queria ficar preso à fórmula de filmes que soltam a câmera entre diversos personagens, numa narrativa em forma de coral. E ele queria filmar com Adam Sandler. Com aquela cara de bronco, Sandler é um cômico popular que arrebentou nas bilheterias em filmes como O Paizão. Os críticos o detestavam. Há que ser generoso, como os grandes diretores são. Anderson oferece agora um belíssimo papel a Sandler e o ator corresponde integralmente. Revela um talento - dramático, não apenas cômico - que talvez nem ele soubesse possuir. Já foi assim com Mark Wahlberg em Boogie Nights e com Tom Cruise em Magnólia. Num encontro com um reduzido grupo de jornalistas, em Cannes, Anderson aprofundou a discussão. Contou que não sabia direito o filme que queria fazer. "Queria filmar com Adam (Sandler)." Ele começou a escrever o papel pensando no ator e isso é inédito em sua carreira. Acompanhou Sandler no set de filmagem de outro diretor para vê-lo trabalhando. O personagem foi-se delineando, a história tomando forma. Sandler, que, a essa altura, já se tornara cúmplice do diretor, começou a palpitar. "Vários diálogos são dele. As falas com as irmãs, por exemplo. Não conseguiria criar nada mais dinâmico, com aquela carga de agressividade e ironia." O filme nasceu do desejo do diretor de filmar com Adam Sandler, portanto. A esse desejo superpôs-se outro. Anderson foi ver uma exposição de Jeremy Blake no Museu de Arte Moderna de São Francisco. É um artista conceitual, que pinta quadros em movimento, usando computadores sobre telas de plasma. O diretor ficou tão impressionado que também resolveu integrar a arte de Blake ao projeto. Não tinha a história nem sabia como iria trabalhar a pintura, mas tinha os dois, o ator e o pintor, à sua disposição. "Foi o que me estimulou mais: pela primeira vez, comecei a desenvolver um filme sem saber direito aonde queria chegar." Coerência - Talvez não soubesse conscientemente, mas no fundo suas idéias sobre estética e política o levaram a trilhar um caminho que lhe é familiar. De uma forma mais intimista, centrada num só personagem, Anderson continua investindo contra a sociedade de consumo. Como em Boogie Nights, fala da elefantíase do sexo na vida contemporânea. E, como em Magnólia, embora de forma diferente, retoma o tema da infância, por meio da história de outro personagem que teme se tornar adulto. Como nesses dois filmes, também volta a trabalhar a busca da compaixão. "São coisas que não consigo evitar", explica o diretor. "Estão tão arraigadas em mim que terminam aparecendo no que faço." Logo no começo de Embriagado de Amor, Barry Egan, o personagem de Sandler, é imediatamente revelado como um homem sob pressão. No trabalho, nas relações familiares. No supermercado, ele descobre que comprando determinado produto terá direito a milhares de milhas em viagens aéreas. Carente de sexo, liga para o serviço de atendimento por telefone que encontra nos classificados de um jornal. Fornece seu cartão de crédito e, se a vida já lhe parecia miserável, piora muito mais. Barry vira alvo da chantagem do escroque interpretado pelo ator-fetiche de Anderson, Philip Seymor Hoffman. O diretor relaciona a experiência de seu personagem a uma tradição de humor que remonta a Buster Keaton: "As coisas ocorrem ao redor dele e apesar dele, sem que exerça qualquer tipo de interferência ou controle." Ele também explica seu fascínio pelo tipo de herói que Sandler representa: "Liga-se a uma idéia cuja origem é o slapstick: ele quer desesperadamente integrar-se à sociedade, mas as coisas vão mal, o que não o impede de terminar atingindo seu objetivo." Mas Anderson faz a ressalva: "Não estou certo de que Barry consiga realmente integrar-se. Acho que ele é só aceito pela personagem de Emily (Watson) e, afinal, é o que conta, porque ele a ama." Um dos riscos que o filme oferece é o de surpreender desfavoravelmente o público de Adam Sandler. Entenda-se: não seria porque o filme é ruim, mas, pelo contrário, porque é bom demais, exigindo muito mais do espectador que o tipo de comédia rasteira, mais do que popular, que o ator costuma fazer. É significativo que Anderson tenha tomado como modelo o cinema de Jacques Tati, o imortal criador de M. Hulot (que estava sendo homenageado em Cannes, no ano passado). Anderson reconhece que a seqüência inicial foi feita a partir de Tati. Confirma, o que você não terá dificuldade para perceber, que a trilha de Jon Brion integra a música ao ruído, desde sons distantes, como a passagem do metrô, a gorjeios de pássaros. "Tati foi o mestre dessa interação entre música e ruído", avalia Anderson. Ainda falta falar sobre a arte conceitual de Jeremy Blake. Ele criou tableaux vivants que ajudam a dar o tom do filme. Anderson encontrou uma ótima maneira de integrar o artista ao seu trabalho, você vai ver.

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