PUBLICIDADE

'A Vida Privada dos Hipopótamos' traz relato de preso sobre mulher misteriosa

Documentário relata os segredos de um personagem em conflito

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Por Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Às vezes se usa a expressão “cinema do real” como sinônimo do documentário. Mas este pode ser também o “cinema da fantasia”, desde que esta seja assumida como a mais pura expressão da realidade. Algo desse tipo passa por A Vida Privada dos Hipopótamos, de Maíra Bühler e Matias Mariani. A razão disso tudo é o personagem do filme, o americano Chris Kirk, que dá seu depoimento em trajes de prisioneiro. Kirk cumpriu pena no Brasil por tráfico internacional de drogas. 

PUBLICIDADE

O personagem foi escolhido quando a dupla fazia um documentário sobre estrangeiros que cumpriam pena no Brasil. Descobriram que Kirk merecia um filme só para ele. 

Falando diretamente à câmera, o norte-americano conta a sua história. Jovem programador de sistemas nos Estados Unidos, resolve ir à Colômbia em busca de aventura. Queria ver em pessoa os tais hipopótamos que o traficante Pablo Escobar criara em seu zoológico particular, anexo ao seu bunker. Ao que parece, Kirk buscava uma coisa e encontrou outra, a aventura sob a forma de uma mulher estonteante que ele chama apenas de V. Eles se conhecem e Kirk cai de quatro. A mulher é fantástica e parece areia demais para o seu caminhão. Mas ficam juntos. O casal vive em ritmo frenético, entre viagens e traições. V. está sempre um passo à frente de Kirk. E ela parece sempre uma imagem diáfana, que não se deixa entregar. Da prisão, Kirk indica aos documentaristas que procurem fotos da moça no HD do seu computador, nos Estados Unidos. Porém tudo o que se vê é uma imagem indefinida de mulher, na praia. Será V.?

Fascínio. A aventura sob a forma de uma mulher estonteante que ele chama apenas de V. Foto: Divulgação

Tudo parece ficção - e talvez seja. A Vida Privada dos Hipopótamos, embora concebido de maneira inteligente, só se sustém porque encontra um grande narrador. Não importa se o que diz é verdade ou mentira - aliás, o gênio Orson Welles chamou de F for Fake (Verdades e Mentiras, no Brasil) seu documentário sobre os limites (tênues) entre o real e o simulacro. 

Qual o grande trunfo do mentiroso? É nos deixar em dúvida. Por improvável que pareça a história, ficamos nos perguntando: “Mas, e se for verdade?”. E mesmo se estivermos convencidos de que o narrador nos engana, não conseguimos nos desvencilhar do fascínio que a fábula exerce sobre nós. De modo que, ainda parecendo ser um tremendo cara de pau, Kirk prende o interlocutor (nós) por uma trama cheia de reviravoltas e lances inusitados. No horizonte, sempre a misteriosa V., talvez o mais bem acabado exemplo da femme fatale já presente num documentário. A conhecemos apenas pelas palavras que a descrevem. Vem daí, talvez, seu misterioso fascínio. 

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.