A tragédia do WTC, em onze episódios

11´09´01, que estréia nesta sexta, é uma espécie de numerologia cinematográfica. Reúne 11 filmetes de 11 minutos e 9 segundos rodados por 11 diretores

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Por Agencia Estado
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É consenso que os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 afetaram a vida de todo mundo, independentemente da classe social, país de origem ou credo político. Rios de tinta já correram sobre o assunto e florestas foram abatidas para comentar as repercussões do ataque às torres gêmeas do World Trade Center (comparativamente, o avião jogado sobre o Pentágono não comoveu tanto). Essas ondas sísmicas chegam agora ao cinema com o coletivo 11´09´01, produzido por Alain Brigand. Trata-se de uma espécie de numerologia cinematográfica. O produtor encomendou a 11 diretores filmes que tivessem o atentado como tema. O tratamento poderia ser livre, mas não a duração. Cada episódio deve ter exatamente 11 minutos, 9 segundos e um frame (ou quadro). Dos realizadores, apenas um, Sean Penn, é americano. Os demais são: Youssef Chahine (egípcio), Shohei Imamura (japonês), Claude Lelouch (francês), Ken Loach (inglês), Mira Nair (indiana), Idrissa Ouedraogo (africano, de Burkina-Fasso), Samira Mahkalbaf (iraniana), Danis Tanovic (esloveno), Amos Gitai (israelense) e Alejandro González-Iñarrítu (mexicano). Cada um deles recebeu US$ 400 mil para fazer seu filme. De 11´09´01 pode-se dizer o que se diz de quase todos os filmes de episódios: é irregular e alguns são bem melhores do que os outros. Por exemplo, andou bem quem em aparência driblou o tema e resolveu não fazer a lição de casa segundo o indicado. Ken Loach lembrou que 11 de setembro é de fato uma data a ser lembrada, mas não apenas por causa do World Trade Center. Foi num 11 de setembro, de 1973, que um golpe militar liderado por Augusto Pinochet derrubou no Chile o presidente Salvador Allende, que tinha chegado ao poder numa eleição regular. Loach contrapõe os Boeings lançados ao WCT com os aviões rebeldes bombardeando o Palácio La Moneda, em Santiago. Relembra que esse golpe teve apoio e patrocínio dos EUA, na época preocupado em desestabilizar governos de esquerda na América Latina. E relembra que, com a implantação da ditadura, milhares de chilenos tiveram de se exilar e outros tantos pereceram sob tortura em seu próprio país. Já Mira Nair prefere evocar os efeitos danosos da desconfiança étnica causada pelo 11 de setembro. Samira Makhmalbaf sugere que no interior do Afeganistão a luta pela água talvez seja mais importante para as pessoas do que o atentado promovido por Bin Laden. E Gitai relaciona os atos terroristas contra os Estados Unidos a um dia de cão (mais um deles) em Jerusalém, com carros-bomba explodindo, gente morrendo, pessoas escapando, mas ficando mutiladas, ódio, retaliações inúteis etc. O de sempre, a triste rotina das páginas internacionais quando tratam do Oriente Médio. Lelouch (de Um Homem, Uma Mulher), fiel à sua concepção romântica da existência, imagina um caso de amor (ela é surda-muda) em meio ao caos daquele dia em Nova York. Já um mestre como Shohei Imamura liga o ataque terrorista à guerra em geral e sua capacidade de enlouquecer os homens. Seu episódio é brilhante, tanto quanto o de Loach. No entanto, não é apenas com os melhores episódios de 11´09´01 que aprendemos alguma coisa. Do conjunto deles também emerge um quadro interessante, e que põe em questão a idéia inicial do consenso sobre o 11 de setembro. A diversidade de tratamento e de tom empregado nos filmes indica que, se ninguém passou ileso por um fato histórico que colocou a segurança em primeiro lugar na agenda internacional, os efeitos causados pelo fato em si são diferentes, segundo cada latitude e sensibilidade. Cada um o interpretou à sua maneira. Deu lugar a manifestações de solidariedade com as vítimas, por um lado, e de antiamericanismo, por outro, sendo que a indiferença diante do espetáculo das torres caindo também não esteve ausente. Há, no entanto, um ponto médio que se pode tirar do filme e este diz que qualquer guerra e qualquer agressão, sobretudo aquela que recai sobre inocentes, é eticamente intolerável. Não há hierarquia entre episódios de mesma natureza, e não é pelo fato de que o atentado de 11 de setembro tenha se abatido sobre a única superpotência do mundo que o torna um ato mais execrável do que os outros. Moralmente, ele equivale a qualquer guerra genocida levada contra a população civil, a um atentado à ordem democrática que depois conduz a milhares de mortos, a carros-bomba que explodem cegamente ceifando vidas, ao tratamento inumano infligido a populações inteiras só porque são mais fracas, etc. 11´09´01 inscreve os atentados ao WTC no rol das iniqüidades humanas. Mas sem esquecer que existem outras, a cada novo dia sobre a Terra. 11 de Setembro - Estréia amanhã (22). Antologia. Dir. Alejandro González Iñarritu, Amos Gitaï, Claude Lelouch, Danis Tanovic, Idrissa Ouedraogo, Ken Loach, Mira Nair, Samira Mackhmalbaf, Sean Penn, Shoei Inamura, Youssef Chahine. Ing-Fr/2002. Dur. 130 min. 12 anos.

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