PUBLICIDADE

A beleza jovem de Odete Lara era impressionante

Tornou-se uma personalidade pública, sinônimo de mulher bonita, libertária e inteligente

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Por Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

A beleza jovem de Odete Lara era impressionante. Os olhos separados, o nobre formato do rosto, o sorriso distante, de canto de boca, a cabeleira loura e espessa. Nunca esteve tão bonita quanto em Noite Vazia (1964), de Walter Hugo Khouri, no qual contracena com outro prodígio, Norma Bengell. As duas interpretam prostitutas de luxo que saem com homens de negócios vividos por Mario Benvenuti e Gabriele Tinti. Esse, talvez, seja o chamado “filme emblemático” de Odete, aquele primeiro que nos vem à mente quando recebemos a notícia de sua morte. No entanto, a atriz, cujo nome civil era Odete Righi, chegara antes ao cinema, com participações em O Gato de Madame e Arara Vermelha (1957), Moral em Concordata (1959) e Mulheres e Milhões (1961), entre outros. O próprio Khouri, cujo olho clínico para mulheres bonitas nunca foi contestado, já a havia escalado em A Garganta do Diabo (1959). Mas foi em Noite Vazia que Odete chegou ao ápice, não apenas como figura fulgurante na tela, mas como excelente atriz.

PUBLICIDADE

Excelente e versátil. Odete jogava bem com a sensualidade agressiva de Noite Vazia e com brejeirice suburbana de Boca de Ouro (Nelson Pereira dos Santos, 1962), adaptado de Nelson Rodrigues. Neste, Odete, com um inesquecível vestido de bolinhas, vivia Guiomar, a antiga amante do bicheiro assassinado e que, com seus depoimentos, às vezes contraditórios, tenta reconstruir a personalidade multifacetada do falecido Boca (Jece Valadão). O fato é que, com sua presença carismática, Odete Lara se transformou numa personalidade do meio artístico e foi chamada para diversos filmes desta que, para muitos, foi a mais criativa fase do cinema brasileiro. Musa do Cinema Novo, atuou com o guru do movimento, Glauber Rocha, no experimental Câncer e em O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro (ambos de 1968). Também trabalhou com Cacá Diegues em Os Herdeiros (1970), uma alegoria da política vista como tragédia, em plena ditadura. Fez ainda Lúcia McCartney – Uma Garota de Programa (1971), com David Neves, baseado em Rubem Fonseca. O fato é que Odete Lara se tornou uma personalidade pública, sinônimo de mulher bonita, libertária e inteligente. Um logotipo ambulante da moderna mulher brasileira, um pouco como foi Brigitte Bardot na França. Mulheres livres, lindas, senhoras do seu corpo e do seu desejo. Com sua voz pequena, porém sensual, Odete chegou a gravar um disco famoso com o pessoal da bossa nova, Vinicius de Moraes e Baden Powell, chamado simplesmente Vinicius & Odete Lara, com músicas da dupla Baden e Vinícius como Berimbau, Só por Amor, Samba em Prelúdio e Labareda. A vida agitada apresentou a conta e Odete Lara conheceu seu inferno pessoal quando ainda poderia ter feito muitos outros filmes, acompanhando a evolução (ou involução) do cinema brasileiro pós-anos 1970. Nesse período, sua presença nas telas foi esporádica - A Estrela Sobe (1974), O Princípio do Prazer (1978), Um Filme 100% Brasileiro (1982-85), Vai Trabalhar Vagabundo 2 - a Volta (1991). Odete, nessa época, ressentia-se de uma vida complicada deste o início, com o suicídio da mãe, uma série de amores frustrados, envolvimento com drogas, e um longo etc. A uma carreira aos trancos e barrancos, preferiu o recolhimento e a solidão e, depois de tantas tormentas, encontrou a paz, ou reencontrou-se consigo mesma, termos equivalentes. Escreveu e lançou quatro livros dando testemunho desse processo de autoconhecimento pela meditação e pelo budismo. Quem a conheceu nessa fase madura sabe que não havia mulher mais serena e segura de si que Odete Lara. O que mais pode desejar uma vida humana que chegar ao ápice e depois declinar em paz, sem remorsos ou ressentimentos?

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.