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Waly Salomão: no princípio, não era o verbo

Babilaques: Alguns Cristais Clivados chega a São Paulo, no Sesc Pinheiros, com o trabalho experimental do poeta baiano

Por Francisco Quinteiro Pires
Atualização:

O poeta baiano Waly Dias Salomão dizia o seguinte sobre a arte: ''Criar é não se adequar à vida como.'' Poesia, na raiz grega poíésis, significa criação. Amante de todas as artes, da fotografia à música, Waly concebia o ato de criar não só tendo o verbo por base, mas como um exercício de fusão de linguagens e expressões. Nada de limites. Ele mesmo dizia que, quando crescesse, gostaria de ser um ''poeta polifônico''. Esse espírito experimental pode ser conferido, a partir de amanhã, no Sesc Pinheiros, na exposição Waly Salomão: Babilaques, Alguns Cristais Clivados. O neologismo babilaques é uma tentativa de quebrar categorias na arte, segundo o curador Luciano Figueiredo. Omar Salomão, filho de Waly, é o assistente da curadoria. Waly Salomão se deparou com a palavra babilaques quando foi preso em São Paulo, no começo dos anos 1970, por estar com drogas. Ao interrogá-lo, o delegado se valeu da gíria policial na época: ''Cadê os babilaques?'' significando ''Cadê os documentos?'' ''Babilaques carrega uma indefinição que faz lembrar a magia de palavras como merz, do artista alemão Kurt Schwitters, e parangolé, do Hélio Oiticica, que a descobriu nos pertences de um mendigo nas ruas do Rio'', diz Luciano Figueiredo. Ou na definição do próprio poeta baiano: babilaques ''é uma experiência de fusão da escrita com a plasticidade''. A exposição no Sesc Pinheiros, que vai até 5 de outubro, apresenta 21 babilaques ou séries de fotografias tiradas entre 1975 e 1977 em Nova York, Rio de Janeiro e Salvador. Nessas cidades, Waly Salomão fotografou seus cadernos, de diversos formatos, com desenhos, colagens e poesias manuscritas. Serão exibidas cerca de 90 fotografias. Babilaques: Alguns Cristais Clivados esteve em cartaz no Espaço Cultural Oi Futuro (RJ), no ano passado. Um dos babilaques é Trying to Grasp The Subway Graffiti''s Mood. Um caderno em espiral mostra desenhos que são apropriações de formas dos grafites que Waly viu nos metrôs e muros de Nova York em meados dos anos 1970. Usando a câmera fotográfica, o poeta ''realizou uma escrita que não se define como narrativa verbal, mas carrega explicitamente os sinais gráficos de experiência visual do cotidiano'', diz Figueiredo. Além das 21 séries, haverá a reprodução das letras do poema ALFA ALFAVELA VILLE - com 1,40 m de altura e 75 cm de largura -, que serviu a uma performance coletiva, na Praia de Copacabana, no lançamento da revista Navilouca. Alfa Alfavela Ville, mesmo nome do filme feito em super-8 por Waly e José Simão em 1971, também será exibido no Sesc Pinheiros. Um catálogo (144 págs., R$ 48), confeccionado para a exposição, estará à venda com textos de Luciano Figueiredo, Arnaldo Antunes, Arto Lindsay, Antonio Cicero e Ericson Pires, além de poema de Armando Freitas Filho dedicado aos babilaques. Embora não tivesse em mente uma idéia calculada de uma nova poesia, segundo o curador, Waly se percebia fazendo uma poética além da inspiração puramente verbal. Não aceitava a qualificação de ''poemas visuais'' para os babilaques, uma vez que o termo se desgastava, ao ser empregado para falar de todo trabalho espacial com palavras. Waly Salomão tentou dissolver a fronteira entre o eu e o mundo. ''E o destino de toda lógica inovadora é esse mesmo: descobrir uma nova arqueologia da alma'', como escreveu Antonio Medina Rodrigues. Serviço Babilaques, Alguns Cristais Clivados. Sesc Pinheiros. Rua Paes Leme, 195, 3095-9400. 3.ª a 6.ª, 13 h/22 h; sáb. e dom., 10 h/ 19 h. Até 5/10 Biografia WALY DIAS SALOMÃO: Filho de pai sírio muçulmano e mãe beata sertaneja, Waly nasceu em Jequié, no sudoeste da Bahia, em 1943. Me Segura Qu''Eu Vou Dar Um Troço, seu primeiro livro de poemas, foi lançado em 1971. Foi escrito enquanto Waly esteve preso no Carandiru, em São Paulo. A partir de então, o poeta tornou-se um dos nomes mais conhecidos da contracultura brasileira, associado aos colegas tropicalistas Hélio Oiticica e Torquato Neto. É autor de Hélio Oiticica - Qual É O Parangolé? (Rocco), ensaio sobre o artista plástico carioca. Com Ana Duarte, organizou a obra póstuma do poeta piauiense Torquato Neto. Com Torquato, Waly criou a revista Navilouca - O Almanaque dos Aqualoucos, impressa em 1974 e marco da poesia de vanguarda nacional. Flertou com a MPB, tendo trabalhado com Caetano Veloso, Antonio Cicero e Adriana Calcanhotto, entre outros. A canção Vapor Barato, letra dele e música de Jards Macalé, consagrou-se na voz de Gal Costa e voltou a fazer sucesso em meados dos anos 1990 com o filme Terra Estrangeira, de Walter Salles, e a regravação da banda O Rappa. Em 2003, foi nomeado secretário do Livro e Leitura por Gilberto Gil, ministro da Cultura do governo Lula. Morreu quatro meses após assumir o cargo. Desde 1998, a Rocco publica sua obra: Lábia, Tarifa de Embarque, O Mel do Melhor, Pescados Vivos, Armarinho de Miudezas, Algaravias: Câmara de Ecos e Gigolô de Bibelôs.

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