Um mundo uniformizado, mas onde tudo é singular

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Por Roberto DaMatta
Atualização:

Vivemos num mundo curioso. Tudo que nele ocorre é global, universal e uniforme e, no entanto, os eventos que mais chamam atenção ''''estados unidos'''' devem imitar e seguir. Gente cuja personalidade e estilo de vida são marcados pela parcimônia, pela rigidez moral, pelo individualismo e crença no valor individual, e pelo controle emocional. Ora, neste momento de crise financeira, quando os maiores e mais bem preparados economistas do planeta, esses colecionadores de prêmios Nobel que embasbacam os nossos observadores mais críticos ainda não sabem se a grande nação do Norte está em recessão ou tem uma gripe financeira, Hillary (a WASP) e Obama (o afro-americano) fazem girar em torno de suas figuras imagens das forças culturais locais escondidas por um bem-comportado universalismo. Penso em duas imagens. Primeira, a da avó afro-queniana do senador pré-candidato, a sra. Sarah Obama que, sentada no melhor estilo das negras de Gilberto Freyre, debulha o seu milho numa aldeia Luo, seu grupo tribal nilótico que faz parte da configuração étnica do Quênia Estado-nacional, como resultado da velha e abominável política colonial européia, essa política que faz o imperialismo americano tornar-se um mero juvenil na arte da opressão e do desenho de países inviáveis pelas suas contradições internas. O que chama minha atenção nessa imagem, publicada na primeira pagina d''''O Globo (edição de 9 do corrente), foi o ar simultaneamente orgulhoso e auto-suficiente de dona Sarah, como a dizer que tudo passa, menos a sua nobre arte culinária, sem a qual pode haver eleição, mas não humanidade. A segunda imagem é a do choro de Hillary. Da emoção que acompanha a mulher-candidata na sua disputa pelo poder supremo. O fim de uma jornada que, como todo político moderno, ela preparou e sonhou desde que se entende por gente e por política, pois, para essas pessoas, uma coisa não existe independentemente da outra. Há, pois, nessas imagens, um toque de ''''localismo'''', de um insuspeito ''''aqui e agora'''' que distorce o universalismo abstrato e desencarnado tanto dos jogos pré-eleitorais quanto da eleição que se aproxima. É esse toque - de um lado a avó africana impassível no seu destino e, do outro, a WASP que chora - que torna singular essa eleição tematizada pelas questões ímpares dos Estados Unidos enquanto nação mais poderosa do mundo e, também, como uma cultura que, tanto quanto as outras, também tem os seus vieses. Uma avó africana, um cosmopolitismo marcado de africana negritude; uma emoção e um marido que, a despeito de nossa visão individualista, reiteram que todos somos feitos também por outras pessoas.

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