Teatro? Cinema? Ou...

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Por Beth Néspoli
Atualização:

O mistério do teatro reside numa aparente contradição. Como uma vela, consome a si mesmo no próprio ato de criar luz. Assim a historiadora Margot Berthold definiu um dos aspectos fundadores da arte teatral, sua criação em tempo real diante do espectador. Só as chamadas artes cênicas têm tal característica? Bem... não mais. Quem se sentar diante da tela na sala de cinema do Centro Cultural São Paulo, nos dias 16, 24 e 30 de maio para ver o longa Fluidos verá uma obra sendo criada e exibida em tempo real e aberta ao imponderável como no palco. Isso porque os atores estarão no lado de fora do cinema, em três diferentes locações, interpretando cenas, como no teatro, cuidadosamente ensaiadas. As imagens serão captadas ?on line? e em plano sequência, ou seja, sem cortes ou edições, e transmitidas ao vivo para dentro da sala de cinema. Os percalços de ordem emocional a que todo ator está sujeito se ampliam nesse filme pelo fato do elenco atuar em espaços públicos, sujeitos a interferências de desavisados, como já ocorreu nos ensaios. Com tantas características teatrais essa arte ainda pode ser chamada de cinema? "Eu acho que sim, porque a recepção está mediada por tela e as interpretações são naturalistas, criadas para a câmera e não para o público involuntário. As pessoas presentes no set são figurantes desavisados ou, caso interfiram, atores", argumenta o diretor dessa proeza cinematográfica, Alexandre Carvalho. Na quarta à noite, o Estado acompanhou um ensaio no bar do Centro Cultural São Paulo desse longa que tem seis atores no elenco e orçamento de R$ 50 mil ganhos em edital municipal. No dia anterior fora a vez da reportagem do Estado ir até a casa da diretora Renata Jesion, conhecer ?ao vivo? o palco de seu ?teatro pela internet?. Curiosamente, ela faz questão de definir como teatral a arte que cria na sala de sua casa diante de uma câmera, ainda que suas produções cheguem ao público mediadas pela tela do computador. Basta escolher o que ver num cômodo da ?casa virtual? que se abre diante dos olhos no site www.teatroparaalguem.com.br. Peça feita para a exibição na rede é ainda assim teatro? "Sim porque a interpretação é teatral, não usamos locações, a peça inteira é filmada na sala-palco, em plano sequência, sem cortes, e a primeira exibição é feita em tempo real, na casa, na presença de um público convidado", diz Renata Jesion. Por fim, o que Renata e Carvalho produzem é outra arte, híbrido de teatro e cinema? Não seriam os únicos. A Cia Phila 7, por exemplo, já criou espetáculos na interação virtual entre intérpretes de diferentes continentes. Porém Renata e Carvalho não definem o que fazem como ?arte multimídia? e sim como experimentação em teatro, no caso dela; em cinema, no dele. Por que? A explicação talvez resida no desejo e na formação de ambos. Antunes Filho é o mestre de Renata Jesion, que integrou o Centro de Pesquisa Teatral (CPT-Sesc) de 1992 a 1997, participando de peças como Trono de Sangue e Vereda da Salvação. Inspirada na vida de seu pai, escreveu 123.023 J, alusão aos números tatuados em prisioneiros de campos de concentração. Dirigida por Ariela Goldman, essa montagem circulou muito e está no repertório de seu teatro virtual. Já Alexandre Carvalho é cineasta formado pela USP e dirigiu os curta-metragens Portas da Cidade e Vila Prudente. Renata deseja ter um patrocinador para o seu teatro virtual e assim poder fazer mais apresentações ao vivo, com público, em tempo real. Já Carvalho quer seguir experimentando em cinema, seja ao vivo, seja ?na lata?. Fazem o que cabe aos artistas: ousar experimentos. Ao público, importa se o que fazem oferece boa fruição. É conferir.

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