Relações entre espaço e poder no mundo globalizado

Vencedora do Vautrin Lud, o Nobel da geografia, Doreen Massey se volta às marcas deixadas pela política no cenário internacional

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Por Wagner Costa Ribeiro
Atualização:

A globalização tem sido associada freqüentemente a processos econômicos e financeiros que percorrem o mundo em busca de lucro. Quais atributos deve conter um território para atrair recursos externos? Esse tema interessa a países recém-elevados a níveis mais seguros de investimentos, como acabou de ocorrer com o Brasil. O senso comum define que o estado deve abrir sua economia, desregulamentar as relações trabalhistas e oferecer incentivos fiscais. Muito mais que isso, é fundamental identificar o poder no espaço geográfico, elemento que o distingue de outras localidades e exerce atração de capital para algumas áreas e não a todo o mundo, como se veicula de modo ideológico acerca da globalização. O livro Pelo Espaço (Bertrand Brasil, 312 págs., R$ 49, tradução de Hilda Pareto Maciel e Rogério Haesbaerd), da geógrafa Doreen Massey, professora da Open University e vencedora do premio Vautrin Lud (difundido como o ''Nobel da Geografia'') discute o espaço geográfico, o que aparentemente é uma tarefa voltada a especialistas. Mas ele vai além ao propor elementos de análise da conjuntura econômica atual por meio de um rastreamento de etapas da globalização difusas ao longo do texto. Na verdade, trata-se de uma abordagem inovadora que busca apontar características espaciais que dotam o espaço de poder, o que permite colocar a obra na tradição da geografia política, mas com um diálogo intenso e profundo com a geografia econômica e a economia. Porém, o livro vai ainda mais além ao discutir a identidade espacial, momento em que promove um diálogo com ciências como a Antropologia e a Psicologia Social. Mas voltemos à globalização. A autora destaca vários lugares-comuns difundidos por seus defensores, como o fim do espaço e o predomínio do tempo, ou mesmo a tese de uma ''globalização a-espacial'', tão em voga em discursos econômicos da última década do século 20. Com argumentos consistentes, discorda de visões imaginárias da geografia, apregoados por muitos analistas: a ausência de fronteiras e seu oposto, a definição da fronteira. Para ela, esses antagonismos são insuficientes para entender os complexos processos sociais que vivemos pois ambas negam o espaço geográfico como portador de uma multiplicidade de intenções. O espaço geográfico pode ser representado como transfronteiriço e como fronteira ao mesmo tempo. A União Européia encena esse drama de modo cotidiano ao permitir o livre fluxo de pessoas e ao barrar a entrada de novos postulantes a habitantes em sua formação territorial. No Mercosul temos situação semelhante quando ocorre a circulação de produtos sob as mesmas taxas e acordos que garantem preferências entre os parceiros do bloco de modo a gerar um maior equilíbrio entre as partes. De acordo com a obra, o espaço geográfico é delimitado e redefinido por meio da política. Mas isso não seria um atributo do território? Essa pergunta não é encontrada no livro, uma vez que a professora Massey prefere empregar o termo territorialização, que pode ser concebido como marcas identitárias dos grupos sociais no espaço geográfico que definem um campo de ação espacializado. Ou seja, mais uma vez é reforçada a multiplicidade de possibilidades que se inscrevem no espaço geográfico. Múltiplas determinações espaciais e no espaço configuram um mosaico de relações entremeadas pelo meio técnico científico informacional. A densidade técnica no espaço é desigual, o que em si lhe confere identidade, redefine seus atributos e seu lugar na teia de relações globalizadas do mundo contemporâneo. Espaço geográfico não é o mesmo que extensão, distância e localidade. É resultado dos fluxos relacionais que nele se inscrevem, fruto de relações identitárias. Ele é produto do trabalho ao longo do tempo, que o edifica e o molda segundo relações sociais e políticas. Cada vez mais é preciso olhar para além da aparência do contíguo espacial e identificar as marcas do poder político que determinam seu papel no complexo mundo da produção e da circulação de capital que nos envolve. Wagner Costa Ribeiro é professor do Departamento de Geografia e do PROCAM/USP e autor de Geografia Política do Poder, entre outros

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