O pintor Arnaldo de Melo retorna ao circuito das artes

Depois de 20 anos sem realizar uma mostra individual, o artista expõe suas obras em São Paulo

PUBLICIDADE

Por Camila Molina
Atualização:

A vitória-régia é uma planta que revela paradoxos – é brasileira, mas seu nome origina-se da homenagem que um botânico inglês, ao descobri-la na Amazônia, no século 19, quis fazer à Rainha Vitória da Inglaterra. Para o artista Arnaldo de Melo, é uma “perversão” que tenha prevalecido, afinal, a denominação de referência “a uma das mulheres mais conservadoras da Europa” e não as nomeações indígenas como cara d’água e jaçanã. O que dizer ainda do reverso todo espinhoso de um vegetal especialmente misterioso e redondo que parece flutuar sobre as águas? E há outra coisa ainda – o pintor paulistano, também arquiteto-ativista, como diz, explica que, mesmo que figurem em sua atual série de pinturas, as representações de vitórias-régias, seu maior desejo é a “vitória do povo”.

Essas questões estão nas camadas das tonalidades leves e aguadas que Arnaldo de Melo usa nas telas de sua exposição Círculos Urbanos, em cartaz até o próximo sábado, 19, no espaço Phosphorus, no centro de São Paulo. Monet, brinca, “teria pirado” se tivesse conhecido “a planta endêmica do Brasil” enquanto pintava as ninfeias de seu jardim aquático em Giverny – entretanto, o título da mostra do paulistano já indica que suas obras tratam de temas amplos.

Vista da exposição 'Círculos Urbanos', de Arnaldo de Melo, no espaço Phosphorus, em São Paulo Foto: CLAYTON DE SOUZA|ESTADÃO

PUBLICIDADE

Para o artista, a vitória-régia é, na verdade, um “círculo” e o motivo também inspirou a criação de três esculturas de cobre que repousam no chão da sala expositiva e de fotografias que registram a criação e a observação de traçados circulares com os mais diferentes materiais (industriais ou naturais) na cidade ou na paisagem. “Círculos são estruturantes do espaço urbano e do comportamento da multidão”, escreve o curador Nelson Brissac no texto que acompanha a exposição.

Sendo assim, a menção à planta aquática brasileira (ou a figuração) torna-se “mero pretexto” para o artista (como também já foram os kebabs em outra série de suas pinturas). Nas telas atuais, é como se as vitórias-régias aparecessem “abstraídas” e a tinta que escorre e respinga dessas formas circulares fala de uma selvageria, como diz Arnaldo de Melo, de 55 anos. “Mantenho a verve de pintor expressionista, canalizo para o ateliê todo prazer, inquietação e também toda a minha desilusão com o mundo em que vivemos.” A afirmação remete ao expressionismo abstrato e ao neo-expressionismo de criações e vivências em Nova York (1983-1985) e em Berlim (1987-1990) – na Alemanha, estudou graças a uma bolsa DAAD, do serviço de intercâmbio alemão, na Universidade das Artes e foi orientado pelo famoso pintor Karl-Host Hödicke.

Desde 2007, o artista esteve centrado em seu mestrado e doutorado em arquitetura pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, mas também intensamente atrelado a movimentos sociais relacionados à questão da moradia. Enquanto isso, não deixou de pintar, seu ofício visceral – e só agora, depois de mais de 20 anos sem realizar uma exposição individual, Arnaldo de Melo retorna ao cenário das artes.

O artista Arnaldo de Melo e suas peças escultóricas no centro da cidade Foto: CLAYTON DE SOUZA|ESTADÃO

Contemplado, no ano passado, pelo edital de artes visuais do Programa de Ação Cultural (ProAC) da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, ele desenvolveu uma residência artística entre dezembro e fevereiro no Phosphorus. Círculos Urbanos é, assim, o resultado dessa experiência e, mais ainda, “uma tentativa de reinserção no circuito e inserção no mercado”, como afirma Arnaldo de Melo, que já integra o time da Galeria Sé, baseada no mesmo casarão no centro da cidade e dirigida pela curadora Maria Montero.

Apesar de uma trajetória precoce, com mostras apresentadas, desde 1979, no Brasil e na Alemanha, a última individual do pintor ocorreu em 1994 no Palácio das Artes de Belo Horizonte. “No fundo da minha alma, sou um tímido”, diz o artista, que tem sobrevivido desde os anos 1990 como designer gráfico com passagem pelo Itaú Cultural e a criação de “mais de 600 capas de livros” para editoras como a Edusp e a Annablume.

Publicidade

ARNALDO DE MELO . Phosphorus. Rua Roberto Simonsen, 108, Centro, 3107-7047. 3ª a 6ª, 11h/19h; sáb., 12h/17h. Até 19/3

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.