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Mostra reúne telas de Di Cavalcanti fora do circuito há 40 anos

Exposição termina em 1949, ano de sua volta do México

Foto do author Antonio Gonçalves Filho
Por Antonio Gonçalves Filho
Atualização:

Uma exposição e um livro colocam em circulação obras raras do pintor modernista Di Cavalcanti (1897-1976) pertencentes a coleções particulares e pouco vistas. A exposição, Di Cavalcanti – Conquistador de Lirismos, com curadoria de Denise Mattar, será aberta no dia 17, na Galeria Almeida e Dale, com 50 obras do artista. O livro, da Editora Capivara, tem o mesmo título e lançamento marcado para 8 de abril, durante a feira SP-Arte, com 200 reproduções de obras suas. O volume tem curadoria de Denise Mattar e supervisão de Elizabeth Di Cavalcanti, filha do pintor.

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A mostra na Almeida e Dale, que já promoveu retrospectivas de outros modernistas (Volpi, Guignard, Portinari), cobre mais de duas décadas da produção de Di Cavalcanti, começando em 1925, ano do regresso de sua primeira viagem europeia – em que conheceu Picasso em Paris, grande influência do pintor. A exposição termina em 1949, ano de sua volta do México, onde entrou em contato com a obra dos muralistas Diego Rivera (1886-1957) e José Orozco (1883-1949), dois pintores que também marcaram Di Cavalcanti. É justamente em 1949 que ele intensifica sua produção de murais para projetos arquitetônicos modernistas.

Um dos principais articuladores da Semana de Arte Moderna de 1922, Di Cavalcanti começou a trabalhar cedo, aos 17 anos, exercitando seu talento de desenhista na imprensa. Bom caricaturista e ilustrador, seus primeiros desenhos remetem ao alemão Georg Grosz (1893-1959), um dadaísta de primeira hora com notável percepção para o social, que anteviu a ascensão do nazismo e castigou duramente os burgueses em seus desenhos. Di Cavalcanti, boêmio com olhar também dirigido aos marginalizados, identificou-se com expressionistas como Grosz, mas não esqueceu a arte dos mestres italianos que conheceu em sua viagem europeia. “Ele dizia que queria rasgar tudo o que fez depois de ver Ticiano”, lembra a curadora da mostra, que traz mais de um exemplo de sua admiração pelo grande representante da escola veneziana do Renascimento.

Di Cavalcanti não datava seus trabalhos, o que dificulta a tarefa dos curadores de suas mostras. As obras mais antigas selecionadas para a exposição são de 1920, um pastel que retrata a cabeça de uma mulata e um guache da cantora norte-americana, naturalizada francesa, Josephine Baker, vedete de sangue afro e apache que dançava nua no Folies Bèrgere.

Essa atração de Di Cavalcanti pela vida boêmia está registrada em alguns trabalhos dos anos 1920 e 1930. “Ele era um pintor das bordas da cidade”, define a curadora, apontando uma aquarela (Cena de Samba, provavelmente de 1928) e Seresta (óleo de 1930) que retratam tipos populares e revelam sua filiação ao comunismo, o que lhe valeu a perseguição de Getúlio Vargas – ele fugiu para Paris em 1936, onde passou os quatro anos seguintes.

Há telas desse período na mostra, entre elas o óleo Bailarina de Circo, que tem uma história curiosa, contada pela curadora: “Ao voltar, ele deixou essa e outras pinturas guardadas na embaixada do Brasil em Paris, que só reviu em 1966”. Paris foi importante para Di Cavalcanti não só pelo convívio com a grande pintura como pelo reencontro com suas raízes. O crítico Mário Pedrosa dizia que o artista foi pioneiro ao trazer para a pintura a gente dos morros cariocas e do subúrbio, “o primeiro a sentir que entre o interior, a roça, o sertão e a avenida, o ‘centro civilizado’, havia uma zona de mediação – o subúrbio”.

No subúrbio, ainda segunda Pedrosa, vive o “verdadeiro autóctone da grande cidade”. Nem caipira nem cosmopolita, ele é um ser em mutação. “O trabalho de Di Cavalcanti tem, como o de Tarsila, influência dos modernos europeus, mas ele reinterpreta-os de forma pessoal, inclusive quando adota uma referência expressionista como Grosz”, observa a curadora, referindo-se a uma obra (Mangue, 1929) que revela essa influência, ainda que carregada de brasilidade.

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Há um número expressivo de obras na exposição não exibidas ao público há mais de 40 anos. Uma delas, em especial, a capa do catálogo (Três Mulheres, 1938), é um dos grandes momentos da pintura de Di Cavalcanti e uma prova de sua reverência aos mestres italianos (Ticiano, em particular) e aos modernistas franceses (especialmente Cézanne e Picasso). Ela anuncia a maturidade artística do pintor, que, em 1940, seria definitivamente consagrado como um artista popular. A mostra não chega aos anos 1950, década a partir da qual a temática do pintor, segundo a curadora, é mais repetitiva e menos interessante – ou seja, quando o modernismo de Di, avesso à arte abstrata, vira academia.

Filha do artista cria instituto para preservar sua obra

Nos 40 anos da morte de Di Cavalcanti, o pintor deve emprestar seu nome ao instituto que sua filha, Elizabeth Di Cavalcanti, organiza no Rio para preservar a obra do pai e separar, afinal, o joio do trigo, considerando que o modernista é um dos artistas mais falsificados no País ao lado de Volpi, com quem dividiu o prêmio de melhor pintor na 2ª. Bienal de São Paulo. Di Cavalcanti produziu muito. Segundo Elizabeth, devem existir mais de 9 mil obras do pai, das quais, segundo ela, 5.400 já foram localizadas.

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O pintor sempre se preocupou com o destino de sua obra extensa, que tem desenhos, telas, murais e painéis. “A internet foi fundamental para fazer esse levantamento preliminar dos trabalhos de meu pai”, diz Elizabeth, que há 16 anos pesquisa na rede em que coleções estão as obras. Ela acredita que a maior parte dos colecionadores seja de São Paulo, cidade em que o artista carioca morou e estudou Direito.

Di Cavalcanti era um artista generoso, que presenteou muitas obras a amigos e outras tantas a museus. Só ao Museu de Arte Moderna de São Paulo ele doou 500 desenhos. Elizabeth diz que o livro a ser lançado em abril será uma “pequena amostra” do catálogo raisonné, ainda em preparo. “É um trabalho demorado, que exige dedicação, e eu o faço de forma solitária.” Um dos maiores problemas relacionados à obra de Di Cavalcanti, além das falsificações (a maioria concentrada em obras da segunda metade dos anos 1960), é a concessão de atestados de autenticidade, considerando que o expertise, hoje, é feito por galeristas e marchands - com a criação do instituto, essa atribuição mudaria, seguindo a metodologia adotada por outras instituições, notadamente o Instituto Volpi de Arte Moderna.DI CAVALCANTI CONQUISTADOR DE LIRISMOS  Galeria Almeida e Dale. Rua Caconde, 152, tel. 3887-7130. De 2ª a 6ª, das 10h às 18h; sáb., das 10h às 14h. Grátis. Até 28/5. Abertura dia 17/3.