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Fotógrafo inglês Martin Parr expõe em SP

Conhecido por suas imagens satíricas, ele mostra 22 fotos

Foto do author Antonio Gonçalves Filho
Por Antonio Gonçalves Filho
Atualização:

Síntese de sua carreira desde que resolveu trocar, em 1982, o preto e branco – que registrou regiões operárias – pela cor saturada, a exposição Covers, do inglês Martin Parr, na Galeria Lume, reúne 22 exemplares de séries que o tornaram popular, como Bad Weather (Tempo Ruim, de 1982, reeditada no ano passado) e The Last Resort (1986). Essa última, admite o fotógrafo, também conta algumas histórias tristes, mas, ao contrário de Tempo Ruim, está impregnada de um humor corrosivo, tipicamente britânico.

Parr fez essa pergunta – o que é ser britânico – a muitas pessoas em seu documentário Think of England (1999), numa feira popular em que galgos desfilavam ao lado de barracas que vendiam tortas de maçã. Não chegou a concluir se ingleses são de Marte ou de Vênus, mas serviu para o fotógrafo descobrir que parte de sua motivação é documental: entender e interpretar o mundo por meio da fotografia, diz ele, justifica sua presença no meio. E é uma presença e tanto, disputada por colecionadores e museus.

Ofotografo inglêsMartin Parr diante de duas fotos suas, em exposição naGaleria Lume Foto: Gabriela Bilo

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Neto de fotógrafo, Parr ganhou dele sua primeira câmera, aos 16 anos, em 1968, justamente o ano em que todos viveram em perigo. Em maio, os estudantes franceses quiseram reeditar a Comuna de Paris. Falharam. Já os ingleses preferiram revolucionar o mundo da moda com a minissaia. Tiveram melhor sorte, o que justificou a aposta de Parr no mau gosto. Longe das capitais, Parr, filho de um funcionário público e neto de um fotógrafo pictorialista, não foi do tipo engajado, mas tinha lá suas preocupações sociais. Sua primeira foto foi feita num banal restaurante de peixe e fritas de Yorkshire. Só mais tarde iria fotografar o mundo da moda.

Hoje, depois de 76 livros publicados e representado por 12 galerias em todo o mundo, Martin Parr não precisa mais desses serviços. Recebe encomendas de museus e galerias e sai pelo mundo fotografando – ultimamente, o foco de seu trabalho são os turistas obcecados por selfies, como comprovam as fotos mais recentes, entre elas séries como The Amalfi Coast, exibida em fevereiro, em Nápoles, ou Hong Kong Parr, realizada há dois anos por sugestão da Blindspot Gallery.

São, como na série The Last Resort – crônica da classe média num resort –, fotos engraçadas sobre essa mania turística de carregar paus de selfies. Autor de uma série de autorretratos impiedosos em que parodia o gênero (que será mostrada na Paris Photo, entre 12 e 15 de novembro), Parr, em entrevista ao Caderno 2, adverte que não se leva a sério como Rembrandt. O pintor holandês registrou sua decadência física ao longo dos anos com espírito autocrítico. Já Parr deixou a crítica de lado e partiu para o deboche. “A pintura tem linguagem própria, é diferente da fotografia”, observa, revelando que não era frequentador de museus quando começou a fotografar, apesar de ter visto uma ou outra exposição importante, levado pelo avô fotógrafo, como uma de Cartier-Bresson, em Londres. Anos mais tarde, ele viria a fazer parte da Magnum, a agência jornalística criada pelo francês.

Cartier-Bresson retribuiu ao visitar sua exposição Small World (1995), sátira ao turismo globalizado da qual foi extraída uma foto para a sua mostra paulista na Lume – um bando de turistas aloprados fazendo o gesto de segurar a inclinada torre de Pisa. Traços de Cartier-Bresson, Robert Frank e Gary Winogrand podem ser notados em suas séries sociais da primeira fase, que retratam o mundo de trabalhadores comuns, principalmente o último, reconhece. Winogrand foi o fotógrafo da cena urbana norte-americana, mas adorava ir à praia caçar tipos bizarros na areia – exato o que faz Martin Parr em ensaios como Life is a Beach, com figuras tão fellinianas que é difícil acreditar que sejam reais.

A praia fascina o fotógrafo inglês desde pequeno, conta. Sua família costumava passar temporadas em Pagham Harbour, porto natural de West Sussex, observando pássaros migratórios no outono. Não é sua culpa que os tempos tenham mudado e pouca gente, hoje, vá à praia para ver aves. Suas fotos da série da costa amalfitana constituem um estudo antropológico dos mais assustadores sobre o futuro da espécie, que não olha nem para o céu nem para a terra. 

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Imagens da série podem ser vistas na individual do fotógrafo em São Paulo. A mais conhecida mostra banhistas tomando sol deitados sobre toalhas de gosto duvidoso – até mais que as próprias roupas de banho. Martin Parr acabou descobrindo que, no Brasil, outro fotógrafo, o jovem Julio Bittencourt, fez uma série semelhante com tipos suburbanos da praia de Ramos. E assinou um texto no livro do brasileiro, recém-lançado pela editora Cosac Naify.

Parr ainda não fotografou as praias brasileiras nem o carnaval, mas tem vontade. Falta tempo, justifica. Retomando sua relação com a Magnum, depois que um novo CEO assumiu, ele tem agora um projeto de fotografar os migrantes que desembarcam em solo europeu, retomando o caminho original de registrar os menos favorecidos e deixando um pouco de lado o grotesco – reforçado pelas cores saturadas com o uso do flash, lição que aprendeu com o americano William Eggleston.

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