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Joe Wright faz leitura adocicada de Reparação

Filme convencional, adaptado do best-seller de Ian McEwan, abre a mostra italiana sem arrancar palmas, suspiros ou vaias

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Por Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Atonement, best-seller de Ian McEwan adaptado pelo diretor Joe Wright, abriu ontem o Festival de Veneza. No Brasil o livro se chama Reparação e o filme, quando for lançado no circuito comercial, ganhará o título de Desejo e Reparação. Não é mau filme, nem desagradou ao público na sessão de imprensa. Tampouco arrancou suspiros ou palmas. É convencional, mais um daqueles filmes de alma british, de época, com bons atores, história comovente e muita música adocicada. Quem leu o romance, editado no Brasil pela Cia. das Letras, sabe que se trata de uma extraordinariamente bem escrita história de culpa e expiação, em que uma personagem acusa alguém de um crime, e, com isso, altera (para muito pior) vidas que poderiam ter sido felizes. O ponto de vista é de Briony Tallis, que será escritora, mas no começo é apenas uma pré-adolescente fantasiosa e impressionável. E que tem o mau destino de apaixonar-se pelo namorado da irmã, Cecilia (Keira Knightley). A história começa em 1935 e avança pelos anos da guerra. Na primeira parte, Wright ainda consegue alguma coisa, alternando bem os pontos de vistas diversos sobre o mesmo acontecimento, com uma câmera que observa também os complicados relacionamentos de classe na sociedade inglesa. Afinal, o amado de Cecilia, Robbie (James McAvoy), é filho de um empregado e, portanto, um intruso na classe superior da qual tanto Cecilia como Briony fazem parte. Na segunda parte, no entanto, Wright decide afundar-se de vez no melodrama. A história sofre com a fotogenia buscada a qualquer custo, aquele registro típico dos ''''filmes de arte à Hollywood''''. Desejo e Reparação é aquele filme de prestígio escolhido a dedo para abrir uma mostra que acende uma vela a Deus e outra ao Diabo. É uma boa coluna do meio, para ser visto em noite de gala, com os homens de smoking e as mulheres de Chanel. Enjoado e sem vibração. Os principais integrantes da troupe de Reparação, elenco e diretor, compareceram ao Lido. Entrevista concorrida, como costuma acontecer aqui na Itália com os representantes anglo-saxões. Foi uma entrevista fraca, em consonância com esse filme de pouco tônus para uma mostra como a de Veneza. Quando lhe questionaram sobre suas opções estéticas um tanto antiquadas, Wright se limitou a responder que não lhe interessava ser moderno, mas apenas fiel ao livro de McEwan. Livro, aliás, que ele confessou não ter lido quando lhe propuseram o projeto. Respondendo a outra pergunta, Wright admitiu não fazer nem um pouco o tipo intelectual; se disse disléxico e pouco dado a leituras. Vanessa Redgrave, que encarna a escritora na velhice, disse que o mais importante da história era a dimensão da culpa, ''''de que não se pode voltar atrás nas conseqüências de um ato em que prejudicamos alguém de maneira séria''''. Portanto, é preciso tomar cuidado com o que fazemos aos outros, recomendação de bom senso, que todos partilhamos sem necessidade de ir ao cinema para saber. Em todo caso, o diretor vislumbra na história ''''a possibilidade de encontrar na arte uma via possível de redenção''''. Essa saída apaziguante se encontra mais na maneira como a história é contada na adaptação do que no livro. A música, de Dario Marianelli, que constrói sua trilha melosa sobre o ritmo de uma máquina de escrever, daí partindo para variações, foi eleita, segundo Wright, como espinha dorsal da narrativa, mas introduz uma dosagem de açúcar pouco saudável. NOTAS DO FESTIVAL Continuam repercutindo por aqui as declarações da atriz francesa Fanny Ardant, que elogiou as Brigadas Vermelhas, organização de esquerda responsável nos anos 70 por atentados e pelo assassinato de Aldo Moro, então presidente da Democracia Cristã italiana. Assustada com a repercussão de suas palavras, recuou e pediu desculpas. Mas o mal já estava feito. No entanto, o presidente do festival Marco Müller, garantiu que Fanny seria bem recebida em Veneza e estaria até pensando em fazê-la a musa da edição de 2008. ''''Se ela quiser vir, é claro'''', disse ele, acrescentando: ''''Mas sobre as Brigadas, Fanny se equivocou.'''' Fanny Ardant está no elenco de L''''Ora di Punta, filme de Vicenzo Marra que concorre ao Leão de Ouro. Nem mesmo o próprio Müller pode garantir que estará por aqui no próximo ano, ao menos como diretor do festival. Nesta edição está no seu último ano de mandato. E a renovação por mais um período parece problemática. Um nome tem surgido nos bastidores para assumir a Bienal de Veneza, à qual a Mostra está subordinada: o da cineasta Liana Cavani. Mas não existem ainda especulações sobre um substituto de Müller, o que talvez o leve a um mandato-tampão de um ano. O que é certo, ele já disse, é que, após o festival, irá passar uma semana de repouso no Brasil, entre Rio e São Paulo. Cinema na Itália é coisa séria. Se não fosse assim, o sisudo Corriere della Sera não abriria sua edição de ontem com uma matéria integralmente estampada na capa com o título O país do Cinema. O texto, de Ernesto Galli della Loggia, analisa a importância que teve o cinema na Itália do século 20, em especial durante os anos em que uma ainda deficiente alfabetização do povo, tornava essa arte o seu principal contato com a própria realidade. A atual indefinição do cinema no país, segundo o articulista, refletiria não apenas uma situação passageira do cinema, mas esta seria o reflexo da prolongada crise de identidade vivida pela nação italiana.

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