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Jeff Koons ganha primeira retrospectiva na Europa, no Centro Pompidou

Artista pratica uma arte desafiante

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Por Redação
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PARIS - Há tantas controvérsias e facetas estranhas relativas a Jeff Koons, sua obra e percurso, que se torna difícil visitar com um olhar imparcial e a alma aberta a sua primeira e monumental retrospectiva na Europa, no Centro Pompidou (até 27/4/2015). Antes, é preciso esquecer a figura lisa e jovial do homem que não aparenta os seus quase 60 anos, a sua disciplina de empresário, o seu discurso fluente, quase automático, jamais contraditório. Melhor também não pensar na sua condição de pai prolífero, marido exemplar e fiel que, ao contrário dos artistas românticos - aqueles que sofrem ou se suicidam como Pollock ou Rothko - não fuma, não bebe e trabalha 12 horas por dia. É bom ignorar o seu terno e gravata indefectíveis, mas, principalmente, o fato de que ele é o artista vivo mais caro do mundo. 

Contudo, há também a sua história que é mais judicioso pôr de lado. Primeiro, sabe-se que no final dos anos 70, Koons começou como “trader” em Wall Street, passando à seção de patrocínio do MoMA em NY, onde aprendeu o funcionamento do sistema financeiro e foi o próprio mecenas de suas primeiras obras. Compreendeu rapidamente que sempre teria a ganhar com a audácia - a mesma que o fez telefonar a Salvador Dalí, quando ainda era estudante - assim como com o apoio dos mais competentes especialistas. Tanto que, em 83, ainda completamente desconhecido, não hesitou em interrogar Richard Feynman, Prêmio Nobel de Física, para resolver o equilíbrio de suas famosas bolas de basquete no aquário. 

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Depois, vieram as notórias imagens da série Made in Heaven, as esculturas, fotos e pinturas a óleo impressas sobre tela que exibiam explicitamente os seus embates sexuais com a estrela de filmes pornográficos, “La Cicciolina”, por quem se apaixonou e com quem teve um filho. Foi quando os conheci em Veneza, na Bienal de 1990, em frente ao Arsenale - vestidos (ou melhor, desvestidos) exatamente como nas obras - e eu ainda não sabia se o que presenciava ali era a “alta arte” do baixo mundo ou o alto mundo da “baixa arte”. Na verdade, não sei até hoje...

Em seguida, apareceram as imensas, não raro brilhantes, esculturas, os pôsteres emoldurados de publicidade, as pinturas iluminadas, todos deslocados do cotidiano, glamourizados e congelados por meio de uma prática de “ready-made hiper-realista”: aparelhos eletrodomésticos, ferramentas, bugigangas, objetos de armarinho e lojas de miudezas.

Finalmente, nasceu a especulação destas obras, não menos obscena e arrogante do que a série Made in Heaven. O seu preço exorbitante quebrou todos os recordes de venda nos leilões, enquanto o fosso de desigualdade social era uma ameaça constante nos Estados Unidos e no mundo. Koons é o triunfo da América, a pura e dura representação do capitalismo. O seu esquema de produção e mercado liga-se inexoravelmente ao atual sistema econômico e tecnológico, e isso em âmbito internacional. 

Ele é o Steve Jobs da arte. Seus trabalhos são tão perfeitos quanto um protótipo industrial, aeroespacial ou de armamento. O desenho e a pintura de suas telas são realizados com o mesmo cuidado com que os estúdios cinematográficos produzem os efeitos especiais para Steven Spielberg. As suas obras, fabricadas em ateliê-usina por centenas de “operários”, apesar de pouco vistas, espalham-se pelo planeta como cogumelos e são adquiridas pelos colecionadores (capitalistas) mais poderosos da atualidade.

Assim, é em luta com a nossa própria consciência e memória que entramos numa exposição de Jeff Koons. Olhamos em torno, relutantes. E para nosso espanto - sem nenhum esforço em ganhar o “olhar imparcial” e a “abertura da alma” - eis que, em alguns segundos, tudo o que sabemos do artista desaparece como num passe de mágica. O conjunto é deslumbrante! Extasiante. Como se isso não bastasse, a relação entre as obras - e o que elas imediatamente nos falam - é de uma lucidez extrema, desafiadora, brilhante.

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Se não nos deixarmos deleitar demais com o esplendor faraônico da montagem e a sensação de estar entre os grandes “clássicos” do Louvre, ali é amplamente possível refletir. E conceituar questões primordiais da arte contemporânea como a apropriação, sedução-repulsão, gosto, estratégia, utopia, monumentalidade, durabilidade, classicismo, transfiguração, impessoalidade, banalidade, erotismo, hedonismo, celebração…

Só a sala reservada à série “para adultos”, proibida para menores de 18 anos, não faz parte do espaço aberto onde se espalham os excêntricos objetos, esculturas e pinturas: aspiradores, maquete de trem, material de pesca submarina, bibelôs, jogos de areia, etc. Se um inventário deles fosse feito, teríamos a mais perfeita iconografia da cultura de massa que carrega o sonho e a fantasia americana. É o trabalho incansável e obsessivo de um perfeccionista, um artista culto, cujos temas são infinitos porque estão no mundo. “Se você se concentrar no que lhe interessa”, diz Koons, “tudo que existe no universo está disponível”.

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