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''É difícil nos despirmos da moralidade introjetada''

Menalton Braff, ESCRITOR

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Por Redação
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Nascido em Taquara, no Rio Grande do Sul, em 1938, Menalton Braff se interessou desde cedo por literatura e política. Com o golpe militar em 1964, passa a sofrer perseguição por conta da sua militância - precisa abandonar o curso de economia. Muda-se tempos depois para São Paulo, onde estuda literatura. Assina com o pseudônimo Salvador dos Passos seus dois primeiros livros: Janela Aberta (romance) e Na Força de Mulher (contos). Abandona o nome fictício em À Sombra do Cipreste, que ganhou o Prêmio Jabuti 2000 (Livro do Ano - Ficção). Em novembro do mesmo ano lança o romance Que Enchente me Carrega?. Castelos de Papel foi publicado em 2002, sendo um dos finalistas da Jornada de Passo Fundo de 2003. Com A Esperança por um Fio, estreia na literatura infanto-juvenil. Suas mais recentes publicações são os contos A Coleira no Pescoço (finalista do prêmio Jabuti de 2007) e o romance A Muralha de Adriano (finalista do Jabuti de 2008). Menalton Braff prevê lançar, no segundo semestre deste ano, o romance Moça com Chapéu de Palha - o primeiro capítulo pode ser lido em www.menalton.com.br. Que livro você mais relê? Gosto de reler principalmente livros de poesia, mas alguns autores estão sempre por perto, como Machado de Assis e Clarice Lispector. Dê exemplo de um livro muito bom, mas injustiçado pela crítica. Doramundo, do Geraldo Ferraz. Outro autor que merecia melhor sorte é o Dalcídio Jurandir. O esquecimento é uma das maiores injustiças que se podem cometer com um escritor. Cite um livro que frustrou suas melhores expectativas. A Cidade e as Serras, do Eça de Queirós. Estava saindo da leitura de obras como Os Maias, A Ilustre Casa de Ramires, e me senti na obrigação de completar o ciclo. A decepção foi grande. E um livro surpreendente, ou seja, bom e pelo qual você não dava nada. Era um autor de que não tinha notícia, e que me veio às mãos: A Segunda Pessoa, do Henrique Schneider. Me surpreendeu. A boa literatura está cheia de cenas marcantes. Cite algumas. O macacão comendo coquinho, de Macunaíma, por ser hilária. Toda a cena do conto Missa do Galo, pela sutileza. A cena da praia de Balbec, em À Sombra das Raparigas em Flor, do Proust, pela beleza plástica. Que personagens são tão marcantes que ganham vida própria na sua imaginação de leitor? Todos os personagens de O Tempo e o Vento. O Erico Verissimo parece estar falando de primos meus. Consigo identificar até a voz de cada um. Que livro bom lhe fez mal, de tão perturbador? Cantos de Maldoror, do Conde de Lautréamont. É muito difícil nos despirmos daquela moralidade introjetada desde crianças para aceitar o puramente literário sem algum preconceito. Acho que consegui, mas saí perturbado da experiência. E que livro mais o fez pensar? Doutor Fausto, de Thomas Mann. Ele é todo reflexão. Na minha opinião o autor é uma das cabeças mais universais de toda a literatura. De qual autor você leu tudo, ou quase tudo? Poderia citar alguns, mas prefiro ficar com a Clarice Lispector. As situações inusitadas, as combinações insólitas de palavras, o modo seco como ela penetra até o fundo da alma, sem grandes rodeios. Tudo isso me fascina. Mas principalmente seu trabalho de linguagem é das melhores coisas que conheço em literatura. Existe algum autor como o qual você jamais perderia seu tempo? Sim, existem vários. Não leio best seller, não suporto autoajuda. Quanto a nomes, prefiro não citar. Cite um livro que foi fundamental em sua formação. Olhai os Lírios do Campo, do Erico Verissimo, foi um dos livros que me fizeram perceber a dimensão do social em choque com valores individuais. Posso dizer que muito do que sou devo às experiências de vida daquele dr. Eugênio, suas decisões equivocadas, seu remorso, suas convicções finais. Você considera a literatura policial um gênero menor? A literatura policial pode ser menor, não como gênero, mas como trabalho realmente literário. Há grandes exemplos de autores de literatura policial da melhor qualidade, entre os quais posso citar o nome de Dashiell Hammett. Mas confesso que não tenho acompanhado o que se produz atualmente nesse gênero. Sem preconceito e muita falta de tempo. Os livros de autoajuda são mesmo todos ruins, ou isso é puro preconceito da crítica? Não, não gosto e não tenho medo de que seja por preconceito. Tenho alguns que cultivo com carinho. Mas me dizer que tenho de sorrir, porque sorrir é melhor do que chorar, ah, isso ninguém precisa me dizer. Um livro meio chato, mas bom. Os Frutos de Ouro, da Nathalie Sarraute. Um livro que você acha que deve ser muito bom mas jamais leu. A Consciência de Zeno, de Ítalo Svevo. Um livro difícil, mas indispensável. Os Sertões, de Euclides da Cunha. Um livro que começa muito bem e se perde no caminho. Sei que estou sendo pretensioso, mas essa é a impressão que me ficou de A Cidade e as Serras. Um livro ruim, por ser pretensioso. Uma Lágrima de Mulher, de Aluísio Azevedo. Um livro pior do que o filme baseado nele. Acho que a comparação entre duas linguagens totalmente diferentes é indevida. Filmes devem ser comparados a filmes, não a livros. Que livros ficariam melhores se um pedaço fosse suprimido? Se o Lima Barreto tirasse o discurso do narrador a respeito do Floriano em Triste Fim de Policarpo Quaresma, o livro ganharia com isso. Ficou meio panfletário. De que livro você mudaria o final? Quem sou eu para mexer no Eça?! Mas eu não terminaria A Ilustre Casa de Ramires daquele jeito. A declaração final de que Gonçalo é Portugal me tirou o prazer da descoberta. Que livros contrariam suas convicções, mas ainda assim você julga de leitura imprescindível? A maioria dos livros de Jorge Luis Borges. Têm de ser lidos. Cite exemplos de livros assassinados pela tradução e exemplos de boas traduções. A pior tradução que já encontrei foi uma bem antiga de O Castelo, de Kafka. É de uma edição sem data, cuja tradução é assinada por D.P. Skroski. Não consegui ler o livro todo até encontrar a tradução do Modesto Carone, que me pareceu primorosa. Que livro(s) publicado(s) nos últimos dez anos mereceria a honraria de clássico? Autores como Milton Hatoum, Rubens Figueiredo e alguns outros. Uma obra que tenha sido decisiva para a literatura brasileira não me parece ter sido publicada. Para que clássico brasileiro, de qualquer tempo, você escreveria um prefácio incitando a leitura? Todos os romances da fase madura do Machado de Assis. Que livro festejado pela crítica você detestou? Prefiro não confessar. E de que livro demolido por críticos você gostou? Li algumas críticas desfavoráveis para Vozes do Deserto, da Nélida Piñon. A leitura do livro me deu prazer. Quais bons autores você só descobriu alertado pela crítica? Milton Hatoum e Cristovão Tezza. Cite um vício literário que você considera abominável. Fazer panfleto com o nome de literatura. Que virtude mais preza na boa literatura? O cuidado com o texto, as invenções de linguagem. Galeria Erico Verissimo: essencial na formação de Menalton. Clarice Lispector: ficção que vai ao fundo da alma.

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