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Cultura exibe filme do ''Estado'' sobre Euclides na Amazônia

Um Paraíso Perdido mostra a viagem do editor executivo Daniel Piza, que refez a expedição do escritor pelo Purus, em 1905

Por Antonio Gonçalves Filho
Atualização:

Em 13 de dezembro de 1905, o escritor Euclides da Cunha (1866-1909) partiu para o Amazonas como chefe da comissão de Reconhecimento do Alto Purus, que tinha como meta demarcar a fronteira entre o Brasil e o Peru. Foi uma viagem turbulenta. O escritor odiou o clima da Amazônia, entendiou-se com a paisagem e teve um acidente com um dos barcos da expedição. Um ano antes de morrer, ele concluiu seu livro À Margem da História, estudo sobre a Amazônia publicado postumamente, mas não teve tempo de realizar seu grande projeto, o livro Um Paraíso Perdido, que deveria representar para a região o que Os Sertões significou para Canudos. Um século depois, o jornalista Daniel Piza, editor executivo e colunista do Estado, e o fotógrafo Tiago Queiroz resolveram refazer o roteiro de Euclides pelo Purus, desde Sena Madureira até o encontro com o Rio Curanja no território peruano, filmado pela TV Estado e transmitido hoje, às 23h10, pela TV Cultura. A primeira conclusão de quem vê essa imagens de miséria e abandono das populações ribeirinhas é de que pouca coisa mudou desde que Euclides da Cunha navegou 3 mil quilômetros pelo rio, enfrentando chuvas torrenciais como a equipe do Estado, que lá passou 12 dias tomando banho de água de rio e dormindo em redes ou pousadas rústicas. Parte do projeto multimídia do Grupo Estado, O Ano de Euclides, o documentário Um Paraíso Perdido, que tem direção de Felipe Machado, editor de multimídia do Grupo Estado, justifica a desconfiança euclidiana de que o Brasil urbano virou as costas para os filhos da Amazônia. Se não há mais seringais, associados no passado à exploração escravagista dos seringueiros, hoje existem miseráveis dependendo da caridade pública para sobreviver. O documentário mostra uma nação de desdentados e desempregados, esfolando tartarugas para matar a fome. Os seringueiros que não escaparam para as favelas das cidades vivem isolados, distantes de um Brasil que se orgulha da riqueza e se mostra indiferente ao destino de índios aculturados e mestiços banidos para a floresta. Euclides já observara, a respeito dos seringueiros cearenses que lá chegavam no século passado, que eles passavam de bravos a mansos - maneira de explicar a apatia diante da condenação perpétua de ser explorado pelos donos dos seringais e enfrentar a paisagem imutável da região. Essa apatia é notável também nos entrevistados. O olhar desses esquecidos é o mesmo que fez Euclides escrever há um século que pareciam seres condenados a um "eterno giro de encarcerados numa prisão sem muros." Expatriados dentro da própria pátria, como dizia Euclides, os descendentes dos seringueiros convivem com índios que tentam, inutilmente, conservar os traços de sua cultura ancestral - é patética a sequência em que um deles tenta lembrar um cântico ritual. Não poderia existir título mais apropriado para o documentário. É Um Paraíso Perdido mesmo.

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