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Circo de mídia para sátira dos Coen à vida americana

Irmãos lançam com desfile de celebridades Burn After Reading, comédia de humor negro sobre ex-agente da CIA

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Por Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

E não é que as primeiras cenas do Festival de Veneza mostram o mais conhecido cartão postal de São Paulo - a Avenida Paulista? Elas estão no curta-metragem Do Visível ao Invisível, de Manoel de Oliveira, que tem o diretor da Mostra de São Paulo, Leon Cakoff, como um dos protagonistas. O outro é o português Ricardo Trepa. Com bom humor e ironia, Leon e Ricardo se encontram em pleno burburinho da Paulista e tentam conversar, mas são a toda hora interrompidos por seus celulares. Manoel, na jovialidade dos seus 100 anos, enfrenta assim, sem angústia aparente, o antigo tema da incomunicabilidade humana, agravado pelas novas tecnologias que, ironicamente, se dizem voltadas à comunicação. Veja galeria de imagens do Festival de Veneza Do Visível ao Invisível precede a estréia mundial do novo longa-metragem dos irmãos Coen, Burn After Reading, que passa em Veneza fora de concurso. Os Coen desembarcaram no Lido com a trupe toda e, levando-se em conta os nomes do elenco, pode-se imaginar o tititi causado: George Clooney, Brad Pitt, Frances McDormand e Tilda Swinton. Como costuma acontecer quando celebridades de Hollywood estão envolvidas, a coletiva de imprensa virou circo. Elenco e diretores já chegam com a disposição de não se levarem a sério, desencorajando qualquer pergunta mais profunda. E quanto ao filme? Bem, Burn After Reading parece um divertimento após o que parece ter sido o extenuante Onde os Fracos Não Têm Vez. Acontece que, com os Coen, há sempre alguma coisa a mais. Muito mais. Em aparência, o filme é uma comédia de humor negro em que uma trapalhada leva a outra. Bem visto e pesado, é um comentário tanto ácido quanto irônico da contemporaneidade norte-americana, e sua relação com a herança da Guerra Fria. Na história, John Malkovich é Osborne Cox, agente da CIA demitido por alcoolismo crônico. Clooney é um agente federal e Pitt, um personal trainer que trabalha em uma academia. Frances McDormand é gerente dessa academia, e Tilda Swinton, a esposa do ex-agente da CIA. Meio por rancor, meio por tédio, Cox resolve escrever suas memórias e grava o texto em um CD. Sua mulher, que o está traindo, rouba o CD e o esquece na academia. A personagem de McDormand precisa de dinheiro para pagar uma série de cirurgias plásticas que acredita necessitar para sua carreira e assim a coisa vai. As histórias se cruzam, mas não da maneira que se tornou habitual. Há sutilezas no modo como os Coen costuram seus comentários sobre temas como a obsolescência de uma agência de inteligência, a obsessão moderna pelo culto físico, o sexo pela internet e outras delicadezas da vida contemporânea. O filme é brilhante, e realizado com a habitual fluidez. Passa num respiro. Dá vontade de ver de novo. Para algumas dezenas de privilegiados, o festival começou na véspera, com a exibição em praça pública de A Lenda do Santo Beberrão, de Ermano Olmi, filme que venceu o Leão de Ouro há 20 anos. Antes da sessão, houve coquetel e jantar num dos magníficos palácios venezianos situados no Canal Grande - o Palazzo Quirini Dubois. O Estado esteve presente e testemunhou a conversa de Ermano Olmi com Manoel de Oliveira. Aliás, serviu de intérprete entre os dois. Oliveira, entre outras coisas, se queixou de que o espectador não mais enfrenta os desafios de inteligência que o bom cinema propõe. E está voltando no tempo. Ao que Olmi respondeu que seria bom se assim fosse, pois, voltando na história talvez regressasse à civilização grega, e não é isso que se anuncia. O que se vê é um avanço contínuo, e em direção à barbárie. "Tanto assim que as multinacionais estão comprando terras por todo o planeta, tentando estocar riquezas para usufruir mais adiante", disse. Olmi acha que os desafios do presente são tão grandes que não deseja mais filmar ficção, mas apenas documentários. "Quero voltar às coisas mesmas, hoje tão sobrecarregadas de significações que não mais as vemos." É claro que este é um ideal de pureza por parte de um cineasta profundamente impregnado da doutrina cristã. Não talvez de um cristianismo doutrinário, mas rigorosamente ético. Por isso o desalento com o mundo atual, com a celebração da falência ética e da moral dos espertos. De certa forma, o filme que foi visto no Campo de San Polo já aponta para esse tipo de preocupação. Rutger Hauer faz o mendigo alcoólatra que contrai uma dívida impagável com Santa Tereza. Ele precisa doar 200 francos à igreja, mas algo sempre o desvia num momento ou no outro - um amigo de juventude, uma mulher tentadora, etc. Não deixa de ser também uma parábola sobre o pecado original e a falha trágica do homem, sempre dividido entre seu desejo e a vontade. São imagens marcantes deste filme, agora restituído em cópia impecável. Vê-lo, tendo ao lado a arquitetura veneziana e acima um céu estrelado, é experiência que não se esquece. Gondoleiras PRÊMIO ATEU: Os prêmios oficiais do Festival de Veneza são em pequeno número. Mas os extra-oficiais existem em quantidade e para todos os gostos. Por exemplo, uma certa Organização dos Ateus Agnósticos Racionalistas atribui o Prêmio Brian para o filme que destaque melhor os valores laicos. O nome do prêmio se refere ao filme do Monty Python que faz uma paródia dos Evangelhos. REAÇÃO ALEMÃ: A seleção dos concorrentes já rende polêmica. É que a poderosa revista alemã Der Spiegel considerou ''caseira e patriótica'' a comissão que escalou quatro representantes italianos para disputar o Leão de Ouro. A direção da Mostra respondeu: ''Acham que há muitos italianos. Mas só de americanos são cinco os concorrentes''. Os alemães têm apenas um concorrente na mostra principal, Jerichow, além de duas co-produções. OBRAS: Este já está sendo chamado de o festival-canteiro de obras. Meia Veneza parece estar sendo restaurada. Do Palácio Ducal à Ponte dos Suspiros, pontos turísticos dos mais procurados, tudo parece estar em obras. E o pior é que os edifícios estão cobertos por outdoors gigantescos, exibindo as marcas dos patrocinadores dos restauros.

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