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As portas da percepção de Cildo Meireles

Artista ocupa 6 salas de galeria na cidade com ‘Pling Pling’, da Bienal de Veneza

Foto do author Antonio Gonçalves Filho
Por Antonio Gonçalves Filho
Atualização:

O ano passado foi intenso para o artista carioca Cildo Meireles. Sua retrospectiva no Museu Nacional Centro de Arte Reina Sofia, em Madri, viajou para o Porto, em Portugal (Museu Serralves), levando uma série enorme de objetos e instalações criados ao longo de quatro décadas de atividade. A mesma exposição foi montada em Milão (no HangarBicocca), em abril deste ano, mostrando no museu italiano, com curadoria de Vicente Todoli, alguns dos trabalhos mais conhecidos de Meireles, entre eles Através (1983-89), uma instalação que desafia o espectador com piso revestido de vidros quebrados, e Entrevendo (1970-1994), uma estrutura pantagruélica em forma de cone (mais de oito metros de extensão) em que o visitante entra com duas pedras de gelo (uma doce e outra salgada), para encontrar na extremidade um ventilador de ar quente.

Cildo: "A autonomia me toca desde que vi um circo que, falido, pagou artistas com pedaços de lona" Foto: Robson Fernandjes/Estadão

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A partir do dia 21, os visitantes da exposição Pling Pling, na Galeria Luisa Strina, terão um espaço menos traumático para interagir. Pling Pling é uma instalação feita para a 53ª. Bienal de Veneza (2009) que, na galeria paulistana, vai ocupar seis salas, cada uma pintada de uma cor primária ou secundária com uma tela de vídeo que projeta um tom complementar. A exemplo de outra instalação do artista, Desvio para o Vermelho (1967-1984), a saturação cromática faz o visitante entrar em outra dimensão espacial.

Mais ou menos como na instalação Cinza (1984-1986), em que o espectador passa de um ambiente para outro (um branco e outro preto) misturando as cores (o branco dos pedaços de gesso e o preto do carvão), Pling Pling confunde a percepção cromática à medida que o visitante circula pelas salas. Não se trata, porém, da retomada das experiências do venezuelano Cruz-Díez, representante da arte cinética, embora tais experiências estejam próximas. “Todos os meus trabalhos têm autonomia, não faço site specific”, esclarece Cildo em entrevista ao Estado. Em outras palavras, ele não dialoga com o espaço circundante, mas se impõe como se impôs, no passado, em Amerikka (1991-2013), ambiente que virava um campo minado com 22 mil ovos de madeira no piso e 55 mil projéteis pendendo do teto.

Cildo garante que não sofre de alucinação gulliveriana e que esses trabalhos ganham essas dimensões gigantescas porque é assim que eles vêm até ele - “como um relâmpago”. Desvio para o Vermelho, que ocupa um dos pavilhões de Inhotim, veio como num sonho matissiano (e existe, de fato, uma correspondência analógica com o quadro de Matisse, Ateliê Vermelho, de 1911). Nele, os móveis e objetos de uma casa, todos vermelhos, constituem um jogo semântico em que um objeto conduz a outro e, juntos, subvertem o espaço tridimensional com seu monocromatismo.

Associado aos primórdios da arte conceitual no Brasil, Cildo Meireles rejeitou todos os rótulos para conquistar sua autonomia, fazendo ao mesmo tempo um arte que não despreza nem a forma nem seus predecessores. Foi assim, por exemplo, que ele concebeu Atlas (2007), fotografia montada em lightbox que registra uma performance do artista na Dinamarca, fotografado de cabeça para baixo numa base instalada em 1961 por Piero Manzoni (1933-1963), pioneiro da arte conceitual. “Essa questão da autonomia realmente me toca, desde que li a história de um circo que perdeu seu protagonismo, entrou em decadência e seu dono teve der pagar os funcionários com pedaços da lona”. Os artistas viajavam pelo Centro-Oeste e Nordeste montando cirquinhos de quatro estacas com esses fragmentos, inspirando Cildo a montar o próprio picadeiro.

Seu circo é politizado por força das circunstâncias. Nos anos 1960, foram as garrafas de Coca-Cola em que inseria palavras de ordem contra o sistema. Não era pop art (“Nunca fiz pop art”, enfatiza o artista). Depois, foi a vez de Olvido (1987-1989), que reproduziu uma tenda indígena coberta por três toneladas de ossos, seis mil notas de dólares americanos e 70 mil velas, instalação que chegou a ser montada no MoMA de Nova York. Mais que um ensaio visual antropológico sobre o extermínio dos índios, tratava-se de uma obra sentimental. O pai de Cildo, que tem o mesmo nome, trabalhou com o marechal Rondon e participou de expedições, Seus primos nasceram entre os xavantes e seu tio Francisco foi um dos primeiros a fazer contato com os caiapós. Sua relação com os primeiros habitantes da terra é real - e Olvido é um protesto contra o genocídio indígena e a tentativa de manter os índios confinados em parques e “conservados em formol”.

Além de Pling Pling, Cildo vai mostrar em sua exposição objetos enigmáticos como a Esfera Invisível (2012). Ela tem esse nome por ser invisível quando o cubo de alumínio maciço que a abriga está fechado. Ao ser aberto, a esfera se transforma em dois hemisférios côncavos. Também estarão expostas gravuras e uma tela recente do artista.

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