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Regina Parra e Tatiana Blass exibem recentes criações em São Paulo

A artista Regina Parra trata de violência e servidão em sua primeira individual na Galeria Millan; já Tatiana Blass inspira-se nas peças de Ibsen para criar pinturas inéditas

Por Camila Molina
Atualização:

“Por que tremes, mulher?” é um verso do poema Tragédia no Lar, de Castro Alves (1847-1871), mas agora, transcrito em uma pequena pintura de Regina Parra, a indagação, em letras amareladas sobre a imagem de uma mata criada com pinceladas opacas, abre um mundo de conotações. Pode ser, diz o curador Moacir dos Anjos, uma “fala calada” – ou como ele escreve no texto de apresentação da exposição que a artista inaugura na Galeria Millan, “a legenda da cena de um filme inexistente”.

A floresta é um lugar ameaçador, entretanto, possibilidade de abrigo para um fugitivo, afirma Regina Parra. A mata serve também de tema para uma grande pintura na sala principal da galeria – e a escala grandiosa da obra, assim como na videoprojeção no mezanino, propõe uma relação direta e misteriosa com o espectador.

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De frente para a enorme tela, mais ainda, a frase “manter-se aterrorizada ou tornar-se terrível”, iluminada em néon branco sobre a parede, é a transposição para o feminino de escrito do ensaísta martinicano Frantz Fanon (1925-1961). Os elementos criam clima, as palavras, narrativa, “mas deve haver mais”, como dizia o primeiro luminoso criado pela artista, em 2010, com base em poema de Arseni Tarkovski recitado no longa Stalker (1979), de Andrei Tarkovski, filho do poeta russo.

“Minha pintura nunca foi só visual e não sei se por ter também formação em teatro (no Centro de Pesquisas Teatrais de Antunes Filho), gosto das coisas acontecendo juntas”, diz Regina Parra, que faz sua primeira individual na Millan. Para a artista, o uso do texto funciona como algo que promete “facilitar a sua vida, ou indicar um caminho”, mas que, na verdade, “te deixa mais perdido ainda”. Aliada a essa ideia, a característica opacidade de suas obras pictóricas, praticada desde 2004, revela “uma deliberada aposta na imprecisão do que é comunicado”, destaca Moacir dos Anjos. Sendo assim, é aos poucos que questões como a condição da mulher, a servidão e a submissão vão se fazendo perceptíveis nas entrelinhas.

A artista Regina Parra com uma de suas obras na Galeria Millan Foto: MARCIO FERNANDES/ESTADÃO

Regina Parra inclui o político em seus trabalhos de forma a falar do que está oculto e, ao mesmo tempo, não se prende à pintura. Na peça sonora Sim, Senhor, na entrada da galeria, a colagem da frase enunciada repetidamente e de maneiras diversas em filmes, novelas e áudios de policiais, trata diretamente de subserviência, mas esse tema tem de ser descoberto nas telas que colocam como figuras principais estátuas blackamoor do século 18.

As esculturas decorativas de bronze e com intervenções pictóricas, encontradas em casarões de fazendas, representam homens e mulheres em ações servis, mas, curiosamente, com “aparência de quem está resignado ou satisfeito em ser serviçal”, descreve o curador. Nada disso fica explícito nas obras e, como resume Moacir dos Anjos, a artista apresenta um “esboço de arqueologia da violência brasileira” nesta exposição.

Construção e humor

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A artistaTatiana Blass e suas novas pinturasno Anexo Millan Foto: MARCIO FERNANDES/ESTADÃO

Criadora consagrada de uma nova geração brasileira, Tatiana Blass inaugura a mostra Desprofissão no Anexo Millan. Trata-se da quarta individual da artista na galeria, ocasião na qual ela apresenta uma série de trabalhos expostos pela primeira vez no Brasil – como a divertida videoinstalação Bocejo – depois de exposições no exterior e residência na Noruega.

Destacam-se, de início, as pinturas a guache sobre papel e algodão inspiradas em cenas de peças do dramaturgo norueguês Henrik Ibsen (1828-1906). “Em teatro, tudo é construído, até o peso”, diz Tatiana Blass, que cria composições em que figura e cenário parecem ora se fundir, ora fazer um ou outro quase desaparecer.

Obra deTatiana Blass inspirada em peça de Ibsen Foto: MARCIO FERNANDES/ESTADÃO

“Tudo é continuidade, é algo físico”, afirma ainda a artista, que considera criar “uma literatura” com a pintura, apesar de não se prender ao gênero – ela exibe vídeos, entre eles, uma peça com texto seu interpretado pelos atores João Miguel e Malu Galli. Mais ainda, Tatiana Blass lança no dia 6/8, às 11h30, um novo livro sobre sua carreira, publicado pela Editora Automática. Os curadores Moacir dos Anjos e José Augusto Ribeiro participarão de conversa com a artista no lançamento.

REGINA PARRA. Galeria Millan. R. Fradique Coutinho, 1.360, tel. 3031-6007. 3ª a 6ª, 10h/19h; sáb., 11h/18h. Até 20/8 TATIANA BLASS. Anexo Millan. R. Fradique Coutinho, 1.416, 3ª a 6ª, 10h/19h; sáb., 11h/18h. Até 20/8

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