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Aplausos para o humor anárquico de Ainda Orangotangos

Filme corrosivo de Gustavo Spolidoro, realizado num único plano, sem cortes, foi bem recebido pelo público de Tiradentes

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Por Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Um filme realizado num único plano, Ainda Orangotangos, do gaúcho Gustavo Spolidoro, deu início à mostra Aurora, competição que o festival de Tiradentes reservou aos diretores estreantes em longas-metragens. Até o ano passado, o único júri de Tiradentes era o popular, com o público depositando sua avaliação dos filmes ao fim de cada sessão. Neste ano, inovou-se com a mostra Aurora, cujos concorrentes serão julgados por uma equipe de cinco críticos - Cássio Starling Carlos (SP), Paulo Augusto Gomes (MG), Ruy Gardnier (RJ), João Carlos Sampaio (BA) e Marcus Mello (RS). Para a mesma competição haverá também o voto do júri jovem, seis alunos escolhidos em um workshop de linguagem cinematográfica ministrado em Belo Horizonte pelo crítico Cléber Eduardo, curador da mostra de Tiradentes. Cada um dos júris elegerá apenas um dos sete filmes concorrentes na mostra Aurora e poderá ainda criar um destaque, algo que tenha chamado a atenção em algum dos concorrentes, como fotografia, montagem, ator. Além de Ainda Orangotangos, concorrem na mostra Aurora Sábado à Noite, de Ivo Lopes Araújo, Crítico, de Kleber Mendonça Filho, O Grão, de Petrus Cariry, Corpo, de Rossana Foglia e Rubens Rewald, Amigos de Risco, de Daniel Bandeira, e Meu Nome É Dindi, de Bruno Saffadi. É no quadro dessas inovações da mostra que será avaliado o ousado Ainda Orangotangos, do gaúcho Spolidoro, que se baseou no livro de contos homônimo de Paulo Scott. A opção pelo plano único, sem cortes, faz da produção um tour de force, um exercício de técnica em si. O longa se compõe de histórias múltiplas, com 15 personagens que transitam pelas ruas e pelos espaços fechados de Porto Alegre. Como não há cortes, um personagem tem de levar a outro, como quem passa o bastão numa corrida de revezamento. Mas, apesar da ausência de cortes, o filme não é em tempo real - isto é o tempo que escoa na tela não corresponde ao tempo efetivo do espectador. O longa tem 81 minutos, já as histórias se passam num período de 14 horas, do amanhecer à noite em Porto Alegre. Spolidoro, seguindo a linha e o espírito do romance de Paulo Scott, aposta numa estética do absurdo, que não deixa de ter a sua graça e inquietação. Inicia por um casal de japoneses a bordo de um trem que chega à cidade. Eles dormem, estão cansados da viagem. Na chegada, o homem tenta despertar a mulher e não consegue. Insiste. Ela não responde. Estará morta? Em todo caso, ele pega as bagagens e a abandona no trem. Anda pela estação, fala com um garotinho vestido com a camisa do Internacional, e a história, ou o encadeamento delas, prossegue com o menino. E assim por diante, com os personagens passando uns aos outros a voz narrativa e, ocasionalmente, reaparecendo mais tarde. Nessa sucessão de casos e personagens surgem cenas hilárias como as duas lésbicas que discutem com um Papai Noel num ônibus. Ou do homem que invade uma festa para tirar satisfações com a aniversariante. Há cenas inquietantes, como a mulher nua, atormentada por pássaros no interior do seu apartamento. O filme oscila entre os esquetes cômicos e o horror puro, num fluxo que parece levado pelo inconsciente. Oscila também entre o rigor da sua proposta e a gratuidade de algumas das situações postas em cena. A idéia, através da técnica do plano sem cortes, é mostrar um painel diversificado de uma cidade grande como Porto Alegre, com suas pessoas e histórias interligadas. O plano único beneficia a idéia de conexão e continuidade, mesmo na heterogeneidade, o que também poderia ser feito numa técnica mais convencional que simplesmente colocasse histórias pessoais em contato como fez, por exemplo, Robert Altman em mais de um filme, mas em Short Cuts, em especial. Ainda Orangotangos leva essa idéia de histórias em contato ao paroxismo, mas sem o peso humanista que nos levaria a crer que estamos diante de personagens críveis. Aqui, os personagens são tipos, modelos sem espessura. E as relações que estabelecem entre si lembram a arbitrariedade de um ''''ato gratuito'''' surrealista. Produz riso, em algumas circunstâncias. Desconforto, em outras. E o público que acompanhou a sessão até 1 h da manhã no Cine Tenda adorou Ainda Orangotangos, muito aplaudido no final. O repórter viajou a convite da organização do festival

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