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Antonio Bandeira, pioneiro da abstração, ganha dois catálogos

Pintor cearense, morto em 1967, aos 45 anos, tem sua obra pesquisada para publicação de um raisonné em 2017 e outro ainda sem previsão

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Por Antonio Gonçalves Filho
Atualização:

Pioneiro da abstração no Brasil, o pintor cearense Antonio Bandeira (1922-1967) demorou para ter um catálogo raisonné, mas brevemente deve ganhar não só um como dois catálogos. Se Modigliani tem meia dúzia deles, por que não Bandeira? O primeiro, patrocinado pela Fundação Edson Queiroz, de Fortaleza, e coordenado pela Base7 Projetos Culturais, terá dois volumes e fica pronto em 2017. O segundo, em preparo há 30 anos pelo marchand e editor Max Perlingeiro, da Pinakotheke Cultural, ainda vai exigir mais tempo para ser lançado.

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Seja como for, a notícia vem em boa hora, pois o número de falsificações de Bandeira cresceu de maneira “assustadora”, segundo seu sobrinho Francisco Bandeira, professor de gravura do Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará, instituição que tem em seu acervo 42 dos melhores trabalhos do pintor. Morto em Paris, aos 45 anos, vítima de uma anestesia antes de uma intervenção cirúrgica nas cordas vocais, o pintor, sem filhos, legou seu acervo aos seis irmãos. Todos morreram e, segundo Francisco, são agora seis sobrinhos os detentores dos direitos autorais do artista. Eles fundaram recentemente um instituto que leva o seu nome para “preservar sua obra e controlar os trabalhos falsos que se espalham pelo mercado”, justifica o professor.

As cotações atuais de Bandeira não permitem, de fato, que familiares, colecionadores e marchands ignorem as falsificações. Segundo o galerista Antonio Almeida, da Almeida & Dale, os preços de seus trabalhos variam de R$ 500 mil a R$ 10 milhões, dependendo da fase e da raridade das pinturas. Ele mesmo chegou a ter duas telas de Bandeira à venda durante a feira SP-Arte, uma por R$ 2,8 milhões e outra por R$ 9,5 milhões.

Outra prova recente do crescente interesse pela obra de Bandeira foi o leilão que Soraia Cals promoveu em abril com obras de vários pintores importantes, entre eles Di Cavalcanti, Antonio Dias e Mira Schendel. O lance inicial maior nesse leilão – e a capa do catálogo – era de uma pintura assinada por Antonio Bandeira em 1962 (Sol Sobre Paisagem, 60 x 73 cm): R$ 1,25 milhão. Segundo Soraia Cals, diretora do escritório de arte que leva o seu nome, o quadro não chegou a ser vendido. A crise econômica pode ter sido um dos motivos.

Antes de o leilão ser realizado, seu escritório foi notificado pelo Instituto Antonio Bandeira de que deveria pagar os direitos de imagem da capa do catálogo. O advogado de Soraia, Pedro Mastrobuono, solicitou, sem resposta, os documentos que comprovassem a titularidade dos direitos hereditários. “Bandeira morreu cedo e tem muitos sobrinhos”, justifica Soraia Cals. “Temos de saber quem é o verdadeiro herdeiro, até mesmo porque ele é comparado a grande pintores como Vieira da Silva.” Não se justifica, diz ela, que a primeira ação do instituto seja a de exigir direitos de imagem, sendo sua meta “a de autenticar e preservar a obra do artista, como o Projeto Portinari ou o Instituto Volpi”. Mastrobuono diz que um catálogo de leilão tem isenção por ser considerado um instrumento de divulgação daquilo que está sendo comercializado. De qualquer modo, a disputa por Bandeira apenas começou. É um nome que até o Beaubourg cobiça para futura exposição.

O quinto. Apenas quatro artistas brasileiros têm sua obra compilada num catálogo raisonné: Portinari, Iberê Camargo (obra parcial com as gravuras), Tarsila do Amaral e Volpi. O quinto será o cearense Antonio Bandeira, nascido em Fortaleza em 1922, que viveu em Paris, cidade em que também morreu, no dia 6 de outubro de 1967. A voz grave desapareceu, mas os traços de sua passagem pela Europa estão registrados em desenhos, aquarelas, pinturas e outras obras sobre os quais se debruça uma equipe com 10 pesquisadores da Base7 Projetos Culturais, sob a coordenação da museóloga Maria Eugênia Sartuni e do diretor da empresa, Ricardo Ribenboim.

Com patrocínio da Fundação Edson Queiroz, mantenedora da Universidade de Fortaleza (Unifor), o catálogo de Bandeira começou a ser preparado há dois anos para oferecer, num primeiro momento, dois volumes (de 400 páginas) com o inventário parcial da produção do artista. A catalogação das obras não se limita ao território brasileiro. Há também pesquisadores fazendo o levantamento dos trabalhos de Bandeira na França, onde fixou residência em 1946, ao ganhar uma bolsa do Itamaraty, integrando-se ao grupo de artistas da Escola de Paris. Lá também estudou desenho com Narbone e gravura com Calanis.

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No começo, tinha pouco dinheiro para comprar telas e fazia mais desenhos e guaches, até mesmo porque morava numa minúscula mansarda de 9 metros quadrados. Com o tempo, aproximou-se dos pintores da abstração lírica europeia e chegou a ficar íntimo de pintores reconhecidos como Camille Bryen (1907-1977) e Alfred Otto Wolfgang Schulze (1913-1951) – há versões que garantem ter o trio formado um grupo, o Banbryols, produzindo obras em conjunto. “Temos uma documentação razoável sobre essa época (final dos anos 1940) e a informação de que existiria, de fato, um trabalho a seis mãos, mas não localizado”, conta Maria Eugênia Sartuni, que, num levantamento preliminar, já registrou 1.900 peças para o primeiro catálogo parcial, que será lançado em 2017.

O marchand e editor Max Perlingeiro, da Pinakotheke Cultural, calcula que Bandeira tenha produzido mais de 4 mil peças. Perlingeiro, que comercializa e vende a obra do pintor há mais de 30 anos, é um profundo conhecedor de sua trajetória e publicou, em 2006, o catálogo de uma exposição organizada por ele, em que revelou documentos históricos como fotos de um filme inédito dirigido por Flávio de Carvalho (1899-1973), Péripherie, realizado em 1965 (leia abaixo).

“Bandeira saiu do Brasil expressionista e voltou abstrato, contrariando críticos e colegas brasileiros”, observa Perlingeiro, referindo-se ao retorno do pintor ao País em 1951, justamente o ano da primeira Bienal de São Paulo, que consagrou o abstracionismo, e de sua primeira exposição individual aqui, no MAM/SP, em abril daquele ano. Ele voltaria à França em 1954, alternando residência entre Paris e sua terra, mas sempre fiel ao tachismo, o equivalente francês ao expressionismo abstrato norte-americano. Detalhe: e saudoso da paisagem brasileira – há referências diretas à luminosidade tropical, sem que isso represente a cegueira monocromática de Reverón, mas afirme, ao contrário, a exuberância cromática do Brasil.

“Temos feito pesquisas exaustivas para conhecer o histórico da procedência das obras, as datas em que elas foram expostas, os títulos e os prêmios, pois o raisonné será feito nos moldes do catálogo de Tarsila”, diz Ricardo Ribenboim, da Base7, anunciando uma exposição, em 2017, de peças raras do pintor, na Unifor. Em termos comparativos, o catálogo de Tarsila previa algo em torno de 1.200 obras e acabou incorporando 2.232, mais ou menos o número de trabalhos registrados no catálogo de Volpi. Portanto, é possível que Perlingeiro esteja correto: o número de obras de Bandeira deve chegar a 4 mil.

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O sobrinho de Bandeira, Francisco, diz que ainda não assinou contrato com o marchand para a elaboração de um raisonné. “Só temos um acordo com a Fundação Edson Queiroz e a Base 7”, confirma. A empresa que faz a catalogação desenvolveu um banco de dados para cruzar diversas informações como fortuna crítica e percurso das mostras de Bandeira, oferecendo à análise de uma comissão técnica dados que permitirão um quadro de referências confiável sem que isso signifique atestar a autenticidade dos trabalhos.

Filme inédito. Entusiasta da obra de Antonio Bandeira, o marchand e editor Max Perlingeiro descobriu que a vocação experimental do pintor – que usou em suas obras materiais insólitos como couro, madeira e folha de flandres – o levou ao cinema. Em 1965, sob a direção do pintor Flávio de Carvalho, ele e a atriz Maria Fernanda, filha da poeta Cecília Meireles, foram filmar na periferia de São Paulo. O filme, inédito, chamava-se Périphérie e tinha como diretor de fotografia o primeiro diretor do Masp, Pietro Maria Bardi, um dos primeiros a apoiar Bandeira, que o comparou a Segall e Portinari. Isso em 1964.