Há 25 anos, após concluir um dos monumentos da sua grande arte - Fanny e Alexander -, Ingmar Bergman anunciou que estava parando com o cinema. Iria recolher-se, em definitivo, à sua casa na Ilha de Faro para escrever, refletir. Cinema, nunca mais. Teatro, talvez. No quarto de século decorrido desde então, Bergman quebrou muitas vezes a própria escrita. Escreveu roteiros que foram filmados por outros diretores (Bille August, Liv Ullman, seu filho Daniel) e alguns ele próprio realizou, para TV. Agora, é definitivo. Bergman, nunca mais. Ele morreu ontem, na Ilha de Faro, aos 89 anos. Conta a lenda que, no enterro de Ernst Lubitsch, o mestre do humor sofisticado, encontraram-se dois grandes cineastas, Billy Wilder e William Wyler. O segundo observou com tristeza - ''''Nunca mais, Lubitsch.'''' O primeiro retrucou - ''''Pior; nunca mais novos filmes de Lubitsch.'''' O sentimento é o mesmo diante da morte de Bergman. Talvez ele tenha deixado mais alguns roteiros que ainda poderão vir a ser filmados, mas não serão filmados pelo próprio Bergman. E isso faz toda a diferença. Três vezes vencedor do Oscar da academia de Hollywood, Bergman recebeu a estatueta destinada ao melhor filme estrangeiro por A Fonte da Donzela, em 1959; por Através de Um Espelho, em 1960; e por Fanny e Alexander, em 1983. Este último também recebeu os prêmios de fotografia, direção de arte e figurinos. Você pode dizer que Bergman foi suficientemente contemplado, até por Hollywood, que faz um cinema tão diferente do dele. Estará mentindo. Seus maiores filmes - Noites de Circo, de 1953; O Sétimo Selo, de 1956; Morangos Silvestres, de 1957; O Rosto, de 1958; O Silêncio, de 1962; Persona (Quando Duas Mulheres Pecam), de 1966; Gritos e Sussurros, de 1972; A Flauta Mágica, de 1975 - foram ignorados no Oscar. Bergman havia sido ignorado até por Cannes. O maior festival de cinema do mundo dera, ao grande diretor, somente um prêmio menor, o de melhor filme de humor ''''poético'''', para Sorrisos de Uma Noite de Amor, em 1956. Quase 40 anos mais tarde, exatamente em 1995, quando se comemorava o centenário do cinema, Cannes fez uma enquete entre todos os vencedores da Palma de Ouro e lhes perguntou quem, na opinião deles, havia sido injustiçado no prêmio? Deu Ingmar Bergman na cabeça e ele recebeu a Palma das Palmas, a maior honraria da história do festival. Bergman já vivia isolado em Faro. Não pisou no tapete vermelho de Cannes. Sua ex-mulher, atriz de grandes filmes e diretora de roteiros por ele escritos, Liv Ullman, vestiu-se de gala para a grande ocasião.