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'A Valise Mexicana' reúne imagens de quem fotografou a Guerra Civil Espanhola

Caixa Cultural mostra negativos extraviados de Robert Capa

Foto do author Antonio Gonçalves Filho
Por Antonio Gonçalves Filho
Atualização:

Três caixas com 4.500 negativos da Guerra Civil Espanhola foram encontradas na Cidade do México em 2007 e enviadas ao Centro Internacional de Fotografia de Nova York (ICP) no mesmo ano. Dentro delas, estava um dos mais valiosos tesouros históricos e fotográficos do século 20: 126 rolos de filmes com imagens inéditas registradas entre 1936 e 1939 por três dos maiores fotógrafos de guerra, Robert Capa, Gerda Taro e David ‘Chim’ Seymour. Parte desse acervo será exibida a partir de sábado, 23, na exposição A Valise Mexicana, na Caixa Cultural São Paulo, após passar por cinco países. Trata-se de uma oportunidade rara de ver reunidas não só as fotos da primeira grande cobertura de guerra de Robert Capa (1913-1954), considerado um dos principais fotojornalistas do século passado, como de dois outros companheiros durante a Guerra Civil Espanhola: a alemã Gerda Taro (1910-1937) e o polonês David Chim (1911-1956). Imigrantes vivendo em Paris nos anos 1930, eles se tornaram amigos – no caso de Capa e Taro, um pouco mais que isso – e partiram para o front quando eclodiu a guerra na Espanha, em 1936. Agora, 80 anos depois, o Brasil vê pela primeira vez essas fotos, que estavam desaparecidas.

Toda essa história começou com a busca, pelo ICP, do negativo daquela que é a mais famosa foto da Guerra Civil Espanhola, a de um soldado tombando no momento da morte (setembro de 1936), atribuída ao fotógrafo norte-americano, de origem húngara, Robert Capa. Há mais de 40 anos, surgiram dúvidas sobre a autenticidade da foto e a identidade do morto, possivelmente o anarquista Federico Borrell Garcia (1912-1936) – há quem defenda ter sido a morte “encenada” e, ainda, há versões que indicam ser sua verdadeira autora a fotógrafa Gerda Taro, amante de Capa, morta logo depois da publicação da foto.

Capa registra amarcha migratória provocada pela Guerra Civil Espanhola Foto: International Center of Photography;Magnum/Divulgação

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A curadora da exposição A Valise Mexicana, Cynthia Young, que trabalha no ICP e publicou dois fotolivros com todos os negativos encontrados, não aceita essa versão. Defende a autenticidade da foto e a autoria de Capa, um dos criadores da respeitada agência Magnum ao lado de Cartier-Bresson. De qualquer modo, o negativo da foto – que ficou conhecida como The Falling Soldier (O Soldado Caindo) – não estava entre os 4.500 encontrados no México.

“Dizem que há fotos de Capa que podem ser atribuídas a Taro, mas acho difícil confundir o estilo dos dois, pois Capa tinha um olhar cinético, formado pelo cinema, que adorava, o que fica claro ao ver como ele fotografava em sequência”, observa a curadora Cynthia. De fato, Capa foi ator (no filme Tentação, de 1946) e fotógrafo de cinema (em Os 400 Milhões, documentário sobre a China, rodado em 1939 pelo diretor holandês Joris Ivens). Seja como for, o visitante da mostra vai ter elementos para comparar Capa e Taro.

A descoberta da ‘valise mexicana’ serviu também para revalorizar o nome de David Chim, eclipsado pelo mito criado em torno da figura de Capa. Segundo historiadores, uma das fotos, que mostra soldados africanos lutando na Espanha ao lado das tropas de Franco, promove uma revisão justa e necessária sobre a Guerra Civil Espanhola. Considerados perdidos desde 1939, esses negativos foram entregues por Capa ao laboratorista e assistente em seu estúdio parisiense Imre “Csiki” Weiss, que os colocou numa sacola e partiu para Bordeaux quando os nazistas invadiram Paris. ‘Csiki’ queria fugir para o México num navio e pediu a um chileno que guardasse os negativos no consulado. Contudo, eles foram parar nas mãos do general Francisco Aguilar González, que os levou para sua terra.

Soldado republicano segura garoto ferido na Guerra Civil Espanhola em foto de Capa Foto: International Center of Photograhy/Magnum/Divulgação

Anos mais tarde, um cineasta mexicano, Benjamin Tarver, descobriu esses negativos entre os pertences do general, herdados por ele. Consciente da importância do material, Tarver entrou em contato com Cornell Capa (1918-2008), irmão do fotógrafo, que encaminhou os negativos ao ICP – bem preservados graças ao clima da Cidade do México. “Cornell morreu seis meses depois da descoberta, uma lástima, pois ele passou a vida inteira atrás desses negativos”, conta a curadora.

A exposição, segundo ela, foi concebida seguindo a ordem cronológica do registro das imagens e em três partes: a primeira dedicada a Chim, a segunda às fotografias de Taro e, finalmente, a última, que destaca a obra de Capa. O trio estabeleceu as bases das moderna fotografia de guerra no século 20. A descoberta das fotos de Taro, morta em 1937, ao ser atropelada por um tanque quando cobria a batalha de Brunete, próximo a Madri, foi particularmente importante, segundo a curadora, por ter reunido praticamente todo o material registrado por ela no conflito (ela e Capa desembarcaram na Espanha em 1936).

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De ‘Chim’ podem ser vistas imagens que documentam a vida cotidiana de soldados e camponeses das regiões arrasadas pela guerra. Ao contrário de Capa e Taro, ele preferiu ficar fora da linha de frente da batalha. Taro também registra imagens de treinamento do exército popular em Valência, mas optou ir para o front, seguindo Capa. A mostra A Valise Mexicana já passou pelos EUA, Espanha, França, México e Hungria.A VALISE MEXICANA Caixa Cultural São Paulo. Praça da Sé, 111, tel. 3321-4400. De 3ª a dom., 9 h/ 19 h. Grátis. Até 2/10. Abertura sábado, 23, 14h

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