A segunda vida de Pedro Quaderna

Fracasso de público na TV, a microssérie A Pedra do Reino ganha uma nova chance na tela grande

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Luiz Fernando Carvalho admite sua decepção, mas não que estava errado. A microssérie A Pedra do Reino, que ele adaptou do romance de Ariano Suassuna, teve baixos índices de audiência na Globo, em junho, mas ele não acha que deveria ter baixado seu nível de exigência, fazendo uma série de cinco programas mais palatáveis para o gosto médio do telespectador brasileiro. Se tivesse de começar tudo de novo, ele repetiria a sua Pedra. O importante é que o programa ganha agora uma segunda chance, embora Carvalho não encare desta maneira o que está para acontecer. A partir de hoje, e em salas selecionadas de São Paulo, do Rio e de outras (poucas) praças, A Pedra do Reino estará sendo exibido nos cinemas, como um programa especial, ao longo de duas semanas. A idéia é proporcionar ao público a possibilidade de reavaliar, em bloco, o programa que lhe foi servido em pílulas. Os cinco episódios serão exibidos na íntegra, em duas etapas - um bloco formado pelos três primeiros episódios e o segundo pelos dois últimos, separados por um intervalo de 25 minutos. O mesmo ingresso terá validade para quem quiser, por exemplo, assistir à segunda etapa do programa no dia seguinte, ou qualquer outro dia ao longo da(s) semana(s). Na verdade, a exibição especial de A Pedra do Reino atende a um duplo desejo - do próprio Luiz Fernando Carvalho e de amigos (a distribuidora Rain e o exibidor Adhemar Oliveira) que lhe cobravam o resgate de seu material exibido na TV. Já havia ocorrido isso - a cobrança - com Hoje É Dia de Maria. Atendendo aos pedidos, Carvalho tentou fazer uma remontagem daquela microssérie para lançamento nos cinemas, mas não se convenceu. Hoje É Dia de Maria, na versão reeditada, lhe pareceu uma coisa ''''Frankenstein'''', como ele diz. Carvalho é um autor singular. É muito comum os críticos dizerem que seu trabalho para TV é ''''cinematográfico''''. As pessoas dizem isso como um elogio, mas Carvalho não se deixa seduzir. Ele não tem muita certeza se A Pedra do Reino, para pegar o caso atual, é televisão, cinema, teatro, ópera ou mesmo literatura, já que sua origem é um texto admiravelmente escrito. Por isso mesmo, ele definiu A Pedra como ''''um organismo audiovisual em cinco partes''''. Houve gente que se espantou com a definição, mas Carvalho a sustenta. Ele está querendo fugir a toda camisa-de-força para poder continuar desenvolvendo o projeto que o atrai. O que ele busca é um diálogo, ''''um entrelaçamento de linguagens'''' - ou uma outra possibilidade de olhar o mundo. Carvalho não admite que errou em A Pedra do Reino. Critica o achatamento cultural a que o público é submetido pela programação massificada das TVs abertas. ''''Não há espaço para reflexão'''', ele lamenta. ''''O que se espera é um tipo de produto facilmente digerível pelas platéias. Isso eu não quero fazer.'''' A exibição especial de A Pedra do Reino visa justamente a abrir esse fórum de discussão, que é o que Carvalho acha que está faltando no País, atualmente. Na terça-feira, ele estará em São Paulo, no Unibanco Arteplex, para um encontro com o público interessado em debater A Pedra. Não foi só a linguagem da microssérie que desconcertou o público (e até alguns críticos), quando A Pedra passou na Globo. O conteúdo, também. Ariano Suassuna escreveu o livro nos anos 70, expressando um sentimento que, desde então, se agudizou ainda mais. A Pedra expõe dúvidas, muito mais do que reafirma certezas. É o que Pedro Quaderna diz ao corregedor. O que está sendo discutido no julgamento, no tribunal, pode ser ou não ser. Essa incerteza tem a ver com o momento atual, com o esvaziamento político e ideológico de conceitos como ''''esquerda'''' e ''''direita''''. É o que lhe parece mais grave. A Pedra foi mal na TV porque está na contracorrente das regras gerais. Terá uma segunda chance, agora, no cinema? A Pedra surge num momento em que o DVD especial de Lavoura Arcaica também está sendo lançado, com extras e, principalmente, o restauro das cores originais, que Carvalho não identificava no primeiro lançamento em disco digital. As duas coisas têm tudo a ver. Quando faz um filme, Carvalho pensa em (ou o) cinema. Na TV, cria esse ''''organismo''''. Mas ele tranqüiliza seus admiradores - a baixa audiência da Pedra não inviabilizou seu projeto do Quadrante e ele já está trabalhando na adaptação de Capitu, baseado em Dom Casmurro, de Machado de Assis, que será o próximo de quatro projetos que desvendam o Brasil de diferentes regiões por meio da literatura - depois do Nordeste e do Rio, os próximos serão Dançar Tango em Porto Alegre, de Sérgio Faraco (o Sul), e Dois Irmãos, de Milton Hatoum (a Amazônia). Pedra do Reino (Brasil /2007, 110 min.) - Drama. Dir. de Luiz Fernando Carvalho. Livre. Parte 1: Penha 5 - 19h20. Unibanco Arteplex 5 - 19 h. Parte 2: Unibanco Arteplex 5 - 21h30 (3.ª não haverá sessão). Cotação: Bom

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