"Sinto muito, senhor Newton, o centro de gravitação universal é a minha mãe." (Anônimo)
Imagens e anedotas literárias não faltam. Até mesmo o narrador sofre, na Procura de Proust, quando a sua mãe vem dizer boa noite ao pé do leito, vestida para sair... A mãe Thénardier que humilha e brutaliza Cosette, abandonada pela mãe Fantine, em Os Miseráveis de Victor Hugo, é terrível. Mas a pior de todas, a mais maldosa, talvez, é a famosa Madame Lepic, mãe que detesta e maltrata o pequeno ruivo Cabeça de Cenoura, nome do magnífico romance autobiográfico de Jules Renard publicado em 1894.
A mãe de Marguerite Duras, em O Amante, é uma mulher monstruosa: prostitui a sua filha caçula. Já a célebre e perversa "Folcoche" que martiriza as crianças em De víbora na mão, o romance igualmente autobiográfico de Hervé Bazin, continua uma referência quando se trata de mães abusivas. Assim como a "Medéia" de Corneille que, apesar de ser personagem de ficção, não é menos abominável, matando os três filhos por vingança.
Do mesmo modo, Thérèse Delombre em A Dor, de André de Richaud, se suicida, grávida, deixando o filho único, também sem pai, condenando-o a um destino inviável... E há Patrick Modiano, prêmio Nobel de literatura, em cujos livros a ausência da mãe é uma questão constante. De todas as mães indignas, porém, a que me marcou especialmente foi Emma Bovary, heroína de Flaubert, mãe psicologicamente ausente, eterna insatisfeita que quer ter um filho e é frustrada pelo nascimento da filha. Pouco preocupada com a felicidade da menina ela se mostra às vezes até mesmo cruel chamando-a de "feia" e, no final, com o suicídio, abandona-a egoisticamente à própria sorte.
Minha mãe jamais me deu uma alegria na vida
Ontem, segunda-feira, uma amiga que se encontra hospitalizada me ligou dizendo que descobriu, "apenas na maturidade e em 'estado de suspensão psíquica', que a sua mãe jamais lhe deu uma alegria na vida". Disse que forçou a memória para encontrar algum momento de felicidade e ... nada! Queixas, cobranças, chantagens, más notícias, mau humor, ressentimentos, até mesmo ameaças de suicídio. Tudo isto, e pouco de bom, ela foi obrigada a ouvir durante a sua existência. Ou, pelo menos, se houve alguma coisa positiva, deve ter perdido a sua importância. Foi esquecida diante de tanta "tragédia".
A minha questão veio tão naturalmente quanto a das pessoas que conhecem as piadas e o assunto milenar: "A sua mãe é judia?"
"Não", respondeu. "Ela é católica e bretã. Não possuo nenhum ascendente de origem judaica".
No momento fiquei sem resposta. E de todo modo não achei que era hora de lhe dar a explicação, a partir da reportagem que eu tinha assistido em horário nobre na televisão francesa e que foi de grande esclarecimento público. Vi, por exemplo, que a expressão "mãe tóxica" hoje, felizmente, ficou popular. Entrou no vocabulário científico (de psiquiatria, psicologia, sociologia, etc.). À medida que uma expressão entra em vigor, ela se torna consciente e quando envolve percepção e raciocínio, este é o primeiro passo para que todos se armem e defendam. Quem tem esse problema em casa, deve pedir ajuda.
Também não podia entrar em pormenores, dizendo que nenhum de nós é perfeito, pais inclusive, mas que existe o ponto em que esta imperfeição torna-se destrutiva, substituindo o amor, calor e afeição que as crianças merecem, por algo horrível.
Não tinha ainda como explicar que todas as "mães tóxicas" se acham especiais, mais inteligentes, criativas e importantes do que as pessoas comuns. Que jamais se enganam ou reconhecem erros, que são sempre "vítimas queixosas, incompreendidas e maltratadas". Eu não podia contar que vi (e li) que essas mães geralmente adotam comportamentos desagradáveis, são dominadoras, controladoras e manipuladoras, mostrando-se narcisistas, egocêntricas e vaidosas.
Além disso, não podia relatar, por exemplo, que essas progenitoras vivem sob suas próprias regras, sem se incomodar com o bem-estar dos filhos, e o sofrimento que provocam é algo de que raramente se fala. Sim, porque "mãe tóxica", apesar de ter se tornado expressão popular, ainda é tabu. A figura materna é sagrada em qualquer cultura e civilização do planeta.
Assim, disse à minha amiga apenas que ela não deveria mais levar isso em conta, pois a sua mãe certamente tinha feito o melhor que pôde, e o problema - por mais que a tivesse afetado - não lhe dizia mais respeito. Era neurose exclusiva da mãe dela. Penso que ficou contente. Quando nos despedimos estava com a voz mais alegre.
O melhor presente que uma mãe pode dar aos seus filhos é estar bem
Quem não ficou contente fui eu. Lembrei imediatamente de François Roustang, o novo Sócrates que nos deixou no ano retrasado. Ele dizia que "o melhor presente que uma mãe pode dar aos seus filhos é estar bem". Ora, a mãe da minha amiga, lhe dava somente presentes envenenados. No fundo, cruel como é, considera-se o centro do mundo e pensa, é claro, como é típico de mães nocivas, que os filhos são responsáveis por sua felicidade. Pena que a minha amiga não fez uma terapia como é necessário nesses casos, por isso, amanhã, quando eu falar de novo com ela, que é inteligente e sensível, certamente lhe direi:
"Querida, já que você está no hospital para se curar e descobriu que, além de tudo, está intoxicada por alguém que jamais lhe deu alguma alegria na vida, aproveite para fazer a cura total. Invente um cemitério virtual e cometa um ASSASSINATO (HIGIENICAMENTE) SIMBÓLICO! Mesmo que a sua mãe tenha lhe dado a vida, mate esta pessoa tóxica dentro de você e ganhe uma nova, totalmente recomposta, em 2018! Só assim conseguirá ter uma excelente relação com ela, antes que desapareça de verdade. Até a próxima que agora é hoje e lembre-se: jamais repita a toxicidade com os seus próprios filhos. Boa sorte!"