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Arte, aqui e agora

Obra de Christo é vítima do próprio sucesso

Por Sheila Leirner
Atualização:

Não tinha a intenção de escrever sobre Christo. Pensei que já bastavam as "toneladas" de papel e tinta que foram gastas com ele. Afinal, faz mais de meio século que ele empacota o planeta. A sua nova instalação, os Ancoradouros Flutuantes (Floating Piers) sobre o lago de Iseo, na Itália, está agora em todos os jornais e redes sociais. Pois bem, não resisti. Mais ainda porque já foi fechada para obras. Efemeridade relâmpago! Programada para durar até o dia 3 de julho, deteriorou-se em alguns dias com as milhares de passagens, tornando-se uma vítima do próprio sucesso.

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O artista, junto com a falecida mulher dele Jeanne-Claude (que antes aparecia pouco e depois acabou como "coautora" da obra inteira), tornou-se talvez  -  "cherchez la femme!"  - o maior relações públicas de todas as épocas. Pode-se dizer talvez que os dois foram uma espécie de Claes Oldenburg & Coosje Van Bruggen fora da hora.

Hoje viúvo, Christo não é apenas um artista. Ou talvez não seja mais artista em geral. E sim, o grande precursor de vários contemporâneos, uma das maiores empresas autopromocionais da história da arte.

Estive com eles no Brasil, fora do Brasil e acompanho o seu trabalho desde o início dos anos 70. Li quando embrulhou uma árvore em Eindhoven e uma escultura no jardim da Villa Borghese, em Roma. Cansei de ver em revistas o famoso Running Fence de Sonoma na Califórnia, em 1976, o Palácio do Reichstag em Berlim; sobrevoei as Surrounded Islands em Biscayne Bay na Florida em 1983; vi a Pont Neuf em Paris empacotada em 1985 e presenciei muitas outras coisas. Cada vez, os dois levavam anos planejando o próximo desígnio. Depois atacavam firme. E que ambição!

A obra é um gigante jogo geométrico de percursos, onde os passantes não são mais do que pontos impulsionados pela vontade desse "Anticristo pop" que quer nos fazer andar sobre as águas.

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Naquela época, eu achava graça. Presentemente encaro a obra sob outro prisma. Assim, não fui nem serei a única a ter considerado os Gates do Central Park em 2005 (que apelidei The Croquetgates) um trabalho ruim, anacrônico e isento de interesse estético. E aqui digo estético e não plástico, uma vez que Christo trabalha com ideias e o resultado formal não é o que se deve julgar essencialmente. O empreendimento foi um "fake" como aliás grande parte dos planos "artísticos" faraônicos americanos. Incluindo aí a "multinacional" Guggenheim que se alastra pelo mundo. Mas esta é uma história que fica para outra vez.

Hoje, Christo expõe também na Fundação Maeght em Saint-Paul de Vence. Poderíamos chamá-lo de "arquiteto do efêmero" se a logística, a gestão do financiamento e as complexidades administrativas não estivessem ligadas para sempre ao seus projetos. Só para os ancoradouros flutuantes no lago de Iseo, o artista gastou 15 milhões de euros do seu próprio bolso! Dinheiro que daria, talvez, para se fazer duas bienais de São Paulo (ou Istambul) com dezenas de países e, pelo menos, 300 artistas...

A favor dele está a sua militância pela liberdade que lhe faltou durante os "anos de chumbo" vividos em seu país natal, a Bulgária, sob a tutela comunista da URSS. Não é um land artist: "não jogo com o abstrato, mas com o concreto", diz ele. Esta obra é um gigante jogo geométrico de pontes e percursos, onde os passantes não são mais do que pontos impulsionados pela vontade desse "Anticristo pop" que quer nos fazer andar sobre as águas.

Contudo, como o que estou escrevendo não pretende ser uma crítica de arte, paro por aqui e adianto apenas que não faz a menor diferença se este projeto milionário foi realizado com o dinheiro do artista ou de patrocinadores. Porque, de todo modo, ele é como sempre despropositado em relação ao seu contexto histórico, político e social.

Hoje, diante do Brexit, da crise atual na Europa (na Itália) e no mundo, quando a arte propõe novos desafios para novas questões, pode-se dizer que esses cais flutuantes são uma experiência inoportuna, frívola e datada, para a diversão efêmera de 270 mil pessoas e a glória póstuma do seu autor.

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Até a próxima que agora é hoje e novo post, só no domingo!

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