Muito bom o ensaio "Itinerários extraterritoriais", de Juan Villoro, publicado na mais recente edição da revista Serrote. "Vítima do exotismo e enredada no olhar multicultural, a América Latina continua sob o risco de ser representada como um parque temático", resume o editor. Publico aqui o trecho inicial -- mas reserve um tempo para ler o artigo completo, por favor:
"Em uma planície que algum dia pertenceu ao México, Walt Disney construiu seu peculiar resumo do mundo, uma cidadela de plástico com habitantes disfarçados de ratos de feltro. Na Disneylândia, tudo parece honestamente artificial. Sem respeitar outra lógica que não seja a do capricho, o lugar oferece sua própria versão dos canais de Veneza, da conquista do Oeste e das futuras epopeias no espaço cósmico. Ali a realidade está de férias: a torre Eiffel é de marzipã e os crocodilos bocejam com motor elétrico.
Os parques temáticos exploram as possibilidades fantásticas de um entorno conhecido. A América Latina costuma ser vista da Europa e dos Estados Unidos como uma reserva fascinante por seu atraso, pelo que preserva de um mundo primitivo, agitado, experimental, um laboratório dos excessos. Ali o estranho pode ser descrito como pitoresco, e pelo visto resiste às explicações racionais. As formas de representação desse entorno parecem mais autênticas quando estão determinadas pela magia ou pela intuição, por procedimentos quase rituais em que o artista atua como um xamã temerário. Verdade seja dita: também nós, latino-americanos, temos dificuldade de entender ou sequer descrever os vários mundos a que chamamos de América Latina.
Se fossem combinados os esforços do arquiteto Frank Gehry, dos técnicos da Disney World e de um colegiado de antropólogos, seria possível construir um parque temático que resumisse os tópicos "latino-americanos", com o efeito seguro de que a realidade ficasse de fora, um horizonte protegido, de uma pureza indefinida. (...)"