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Lara Aufranc, ex-Ultraleves, masca chicletes, pensa na vida e pede passagem; ouça o novo disco

Não há matemática, não há astrologia. Não há o que explique.Em algum momento, de uma hora para a outra, o chamado chega.Pede passagem. É preciso atendê-lo. 

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Por Pedro Antunes
Atualização:

"Às vezes, eu como chicletes e penso na vida, que anda tão corrida, mas ainda quer muito mais", canta Lara ex-Ultraleves.

Hoje, Lara Aufranc - cujo sobrenome lê-se "Ôfranc".

Lara Aufranc ( Foto: José de Holanda)

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Esse tempo, tão corrido, segue seu rumo implacável. Corre mais rápido do que corremos nós. Vencê-lo é impossível. A vida tem seu fluxo próprio, pulsa adiante, nos leva, queiramos ou não. 

É mais fácil ser carregado pela inércia, como um corpo a boiar na correnteza de um rio caudaloso.

Segurar-se na margem, fincar os pés no chão, sentir o puxar e decidir seguir por outro rumo é árduo.

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Lara fez isso. Colocou-se firme, no chão. Mascou seus chicletes, pensou na vida - como diz a canção - e no que via diante dela.

Nasce daí Passagem, o segundo disco da artista, o primeiro no qual assume o nome e sobrenome. Tomou o controle para si, agora, como Lara Aufranc.

O disco estreia com exclusividade aqui no blog Outra Coisa - e pode ser ouvido no player abaixo. Solta-se da estética que lhe prendia conceitualmente aos Ultraleves. Deixa as referências antigas, a soul music, no subtexto harmônico para se ver livre a cantar o que e quem é. 

Principalmente, Passagem é um disco de reflexão, de uma artista capaz de brecar o movimento irrefreável da vida. De quem puxou o freio de mão, deixou o fluxo seguir e, a partir de uma clareza e calmaria incomum, encontrou um novo rumo.

Se era um projeto próprio, por que seguir como Lara e os Ultraleves? Foi o que questionou Alexandre Matias, do Trabalho Sujo. Pergunta simples e, ao mesmo tempo, forte o bastante para dar força frente inevitável.

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Passagem, o disco, é um trabalho que dialoga com as forças externas que nos puxam pela vida. Passagem, a canção que dá nome ao álbum, discute a essência da vida urbana.

"A vida vem e a gente vai / Vai lutando para viver / A gente vai e a vida vem / Vai passando à nossa volta / Vai levando sem notar", diz o último verso da música.

O eu-urbano tem pouco controle sobre si. Lara, agora abastecida e esclarecida, é capaz de expressar isso. E cantar sobre o ambiente hostil que é a cidade.

"Sou puro osso, meu bem, e sangue quente", canta ela, em Sangue Quente, ao se ver envolvida em um relacionamento que não é seu."A culpa é dele, é dele, é sua / Não tenho nada a ver com isso".

Porque a vida, oras, é rude, espinhosa. Refletir sobre ela é duro. Ao vê-la passar, Lara encontra a fonte para suas canções. São milhares de histórias a cruzar por ela no metrô, a caminhar pela avenida movimentada na hora do almoço.

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Vidas tantas, como a dela, como a minha, como a sua. Todas com suas angústias e dramas particulares.

Como em Duas Mulheres, cuja guitarra de Allen Alencar é tão espinhosa quanto os dois retratos do feminino que se cruzam pelo caminho - e pelo de Lara.

Sem pressa, ela veste sua armadura para enfrentar as lanças e espadas que têm seu corpo como alvo. Agora, poderosa, canta a força recém-encontrada .

Contra o ameaçador ambiente machista e violento, ela rebate: "Não dá para viver com medo, não dá", canta em Vem Rodar. Sua força nasce do medo e vai combatê-lo até se livrar dele.

Na luta contra a aspereza do mundo, Lara se reergue. Finca os pés. Não vai mais para a direção que não quer. Contesta a correnteza, contesta o mar de gente, discorda o que se espera dela.

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Lara Aufranc é, com Passagem, o disco, quem quer ser. Está pronta para revidar caso digam o contrário.

Ouça Passagem e, abaixo, o depoimento escrito por ela para o blog sobre a retomada na carreira:

https://www.youtube.com/playlist?list=PL8EaHn_WNh-2MIXzJ-BUxdfKE_Pb40tp0

"Sabe quando a gente se acostuma tanto com alguma coisa que para de questioná-la? Pra mim foi assim com Lara e os Ultraleves. Eu já estava gravando o disco quando o Alexandre Matias me perguntou: mas é uma banda? Se não é, por que esse nome? E eu não soube responder. 

Quando Lara e os Ultraleves começou, eu ainda precisava me proteger. Queria cantar mas tinha medo do palco, e era insegura como compositora. Foi jeito que encontrei para me sentir menos sozinha. 

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Só que eu mudei muito nos últimos anos, do primeiro disco pra cá. Hoje me sinto totalmente livre para compor e cantar do jeito que me der na telha. Sem medo ou coerência, só tesão. Desci do salto alto, passei a cantar descalça. Deixei de usar os figurinos glamourosos do soul e finalmente me senti à vontade. Retomei contato com a dança contemporânea e encontrei o meu lugar no palco. O corpo livre. O som reverberando como um líquido.

Só faltava cair a ficha a respeito do nome. A mudança interna, como pessoa e como artista, já tinha acontecido. E ironicamente, a parceria com os músicos da banda é muito mais forte hoje do que era com os Ultraleves na época do primeiro disco."

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