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De antena ligada nas HQs, cinema-pipoca, RPG e afins

Um festim diabólico comprova talento de Marco Dutra em Gramado

Por Rodrigo Fonseca
Atualização:
Leonardo Sbaraglia é um roteirista abalado pela própria impotência em "O Silêncio do Céu": Prêmio Especial do Júri e da Crítica para o longa de Marco Dutra  Foto: Estadão

RODRIGO FONSECA

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Falou-se muito em Hitchcock ao fim da projeção do doloroso thiller O Silêncio do Céu, produção brasileira de R$ 3,2 milhões, falada em espanhol e rodada em Montevidéu, no Uruguai, exibida em concurso no domingo na competição nacional do 44º Festival de Gramado. Essa referência contém uma reverência a um cineasta que depura uma estética própria no diálogo com as cartilhas de gênero: o paulista Marco Dutra. Atribua a ele o melhor filme de terror feito no Brasil nesta década: Quando Eu Era Vivo (2014). Lá havia o fantástico em seu estado mais sinistro. Aqui, nesta trama prevista para entrar em circuito no dia 22 de setembro, existe o trágico, só que em sua encarnação mais demasiadamente humana (e sofrível): o fenecer de um amor. Se há algo de hitchcockiano nesta adaptação do romance Era El Cielo, de Sergio Bizzio, mais profundo do que o domínio (pleno) das mecânicas do medo, seria uma parentela existencial com Festim Diabólico (1948).

No clássico dos anos 1940, um casal gay dava uma festa encobrindo o cadáver de um estudante morto, conduzindo toda a ação com o defunto diante de nós. A festa de Dutra em O Silêncio do Céu tem maior diversidade: junta a observação de uma rotina conjugal, plano de vingança, acertos de contas, segredos. Tudo isso em ebulição numa narrativa que jamais perde sua elegância, mesmo em momentos de sangue. Mas há um defunto ali também. Mas um defunto mais "teórico": o corpo morto de um amor desovado pela vida.

Conhecido na TV pelo seriado O Hipnotizador da HBO, Sbaraglia (numa atuação possante) interpreta Mario, roteirista cheio de medos (de avião, sobretudo), que vê a mulher, Diana (Carolina Dieckmann, no melhor de si), sendo violentada por dois homens e não consegue reagir, paralisado pelo pânico. Diana não sabe que ele testemunhou o crime e não diz uma palavra sobre o caso, o que amplia ainda mais a angústia de Mario. Incapaz de lidar com a dor de sua própria impotência, ele decide descobrir o paradeiro dos estupradores e se vingar. Mas não se trata apenas de dar o troco. Trata-se de perceber suas próprias incapacidades. Ou seja, caberá a ele uma educação pela pedra, armado, solitário... assim como ela, na selva da incomunicabilidade.

Ao longo de 1h42m, O Silêncio do Céu nos deixa poucos instantes para respirar, pois tudo é sufoco. Não é um suspense de catarse. É algo mais próximo de uma narrativa do Leste Europeu, de um Não Matarás (1988), de Kieslowski. O fio do que se narra é frio. Tudo faliu. Tudo dói. A paixão morreu. A vergonha (dele) ficou e o desamparo (dela) vingou. Com isso, temos um filme maduro (em roteiro e direção, a melhor deste festival até agora), que põe Dutra entre os mais bem lapidados de sua geração. E Gramado, depois do furacão Elis (o mais aplaudido) e do sacana O Roubo da Taça (vitaminado por um Paulo Tiefenthaler em estado de graça), segue firme com uma de suas seleções mais sólidas.

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