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Retrospectiva em SP de Marco Bellocchio tem em 'Vencer' um marco político

Por Rodrigo Fonseca
Atualização:
"Vencer": punho cerrado contra Mussolini  Foto: Estadão

RODRIGO FONSECAÉ comum, no revisionismo crítico da linguagem audiovisual moderna, por uma inércia simbólica relativa a marcos históricos, os diretores da Nouvelle Vague (como Godard, Truffaut, Chabrol e Agnès Varda) serem mais citados como pilares do cinemanovismo do que os italianos, o que demonstra uma falta de tato com a importância do legado construído por um realizador (em especial) daquele país, Marco Bellocchio, de 1961 até hoje com a mesma paixão e potência.  Mito autoral europeu, com 41 filmes de prestígio em seu currículo, o mestre da direção, nascido em 1939, em Piacenza, enfim ganha dos brasileiros uma honraria à altura de sua obra, ao ser escolhido para abrir a 40ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e dela ganhar uma retrospectiva. A abertura se deu na quarta, com seu mais recente filme Belos Sonhos, exibido em maio na abertura da Quinzena da Crítica, de Cannes. Tem uma nova sessão dele domingo, às 17h, no Cinesesc, e segunda, às 22h, no Espaço Itaú Augusta. Nesse Fai Bei Sogni, o diretor de 67 anos traça um panorama desanimador da Itália, pulando entre 1969 e 1990 nas trilhas emotivas de um jornalista às voltas com o trauma da morte da mãe. Mas, antes, neste sábado, às 15h, no Cinesesc, teremos um dos longas-metragens mais importantes da safra recente do cineasta: Vencer (Vincere, 2009). Indicado à Palma de Ouro em Cannes, ele transpõe para o planisfério da História as reflexões sobre o mal-estar civilizatório no seio da mais íntima das instituições: a família.

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Com um capricho plástico singular na fotografia e na direção de arte, contrastando com um uso cru de imagens de arquivo, Vencer é um olhar sobre a juventude do ícone fascista Benito Amilcare Andrea Mussolini (1883-1945). A partir de uma aventura amorosa de Il Duce, Bellocchio adentra na lógica da arquitetura familiar e a traduz como um viveiro de neuroses. Em parte, tal gesto dele é sequela de sua autoralidade.

Faz tempo, desde 1965, para ser mais preciso, que Bellocchio exuma esse "cadáver simbólico". Naquele ano, ele lançou De Punhos Cerrados (com sessão neste domingo, 21h20, no CineSesc), espatifando convenções filiais no lastro das crises de um rapaz epiléptico, e, dali para diante, estabeleceu-se como um parâmetro de contestação no Nuovo Cinema da Itália. Voltou na sequência, em 1967, ainda mais feroz com A China Está Próxima, mais conhecido pelo título original, La Cina è Vicina (com projeção neste sábado, 17h40, no Espaço Itaú Frei Caneca). Sofreu, na década de 1970, problemas pessoais de ordem psiquiátrica, regressando na década de 1980, no auge da forma e da fúria, com Diabo no Corpo, em 1986, desnudando a carne e a alma de Maruschka Detmers (este filmaço será reapresentado no próximo dia 28, às 19h, na Cinemateca).

Se existe uma marca que o distanciou de conterrâneos como Bernardo Bertolucci é a ira com que encara o pensamento institucional. Não há espaço para candura em seu olhar para a organização social, religiosa e comportamental da pátria que ele exuma filme a filme. Bellocchio não abre deixas para afetos analgésicos. Por isso, ele não terá pena alguma da protagonista de Vencer: Ida Dalser, dona de um salão de beleza interpretada pela arrebatadora Giovanna Mezzogiorno. Relatos documentais pregam  que ela foi cafetinada por Mussolini (vivido no longa por Filippo Timi), antes que este embarcasse em sua ascensão política. Il Duce tirou tudo de Ida, incluindo o filho que os dois tiveram, em 1915, e a lucidez da moça. Nas telas, a perda da sanidade desta amante apaixonada é análoga à derrocada da autoestima italiana, mergulhada no totalitarismo. O excesso de autoridade de Mussolini afoga a Itália no trogloditismo, questão que assombra Bellocchio ao largo de décadas, rendendo pra nós, seus fãs, obras-primas a granel.

Teremos outras doses de Vencer no dia 26, às 16h15, no Cinearte 1, e no dia 27, às 21:30, no Cinemark Cidade São Paulo.

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