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De antena ligada nas HQs, cinema-pipoca, RPG e afins

Premiado thriller de horror cearense enfim chega às telas

Por Rodrigo Fonseca
Atualização:
Petrus Cariry dirige Sabrina Greve em "Clarisse ou Alguma Coisa Sobre Nós Dois": o primeiro grande lançamento autoral do cinema brasileiro em 2017  Foto: Estadão

RODRIGO FONSECA

Palavra de ordem: "Quando a dor é pior que o desejo, o corpo não suporta mais" - esta é a lógica de Clarisse ou Alguma Coisa Sobre Nós Dois, o primeiro exemplar do chamado "cinema de autor", de DNA brasileiro, a chegar às telas em 2017, com uma sofisticação de linguagem capaz de demarcar a potência narrativa do Ceará nas telas. Mérito da inquietação de Petrus Cariry como cineasta. Estreia dia 2, depois de vasta carreira internacional e também interna de festivais, com passagens por eventos na Argentina, no Uruguai e na Índia. E é notável que, neste momento de afirmação da produção de filmes de gênero, a autoralidade nacional tenha como representante nº 1 em circuito um exercício pelas veredas do terror. Sua fotografia, assinada por seu próprio realizador, é de um rigor plástico raro.

 Foto: Estadão

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De certa forma, o espírito "novíssimo" que anima uma transição na produção de filmes do cenário cearense, levando-o por veredas mais existenciais, focadas mais no vazio na alma do que no vazio de barrigas famintas pela desigualdade econômica, teve como um marco seu O Grão (2008). Ali, Petrus, numa estética que lembra Tarkóvski, já apontava os elementos que marcariam sua obra: relações familiares, conversas lacunares nas quais pouco sabemos sobre antecedentes, uma aura mística relativa a uma certa tradição milenar da afetividade e o esgarçamento do Tempo (pelas vias da contemplação) em narrativas de duração quase sempre enxutas (cerca de 80, 90 minutos), breves na extensão física mas duradouras na longevidade sensorial em nossa memória. É quase um cinema de haicais, que encontrou em Mãe e Filha, de 2011, sua potência máxima.

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Mas em Clarisse ou Alguma Coisa Sobre Nós Dois, essa potência tem suas arestas aparadas, num trabalho de ourives - sobretudo em sua montagem lúdica - com foco na revisão dos demônios ocultos que toda fábula de filhos pródigos liberta. Aqui, num clima de horror psicológico e de erotismo capaz de evocar a elegância de Jacques Tourneur (tipo Sangue de Pantera), uma mulher presa aos desígnios de seu clã, Clarisse (defendida visceralmente por Sabrina Greve), vai passar um fim de semana com o pai moribundo. O lar, decadente como a aristocracia nordestina, é um útero seco, pra onde ela volta a fim de reviver os laços com local de gênese. A volta à casa da infância põe à tona uma série de ranços e de traumas, regados a sangue - muito sangue - e sexo, num clima sufocante, de domínio pleno das cartilhas de gênero, mas também da condição metafísica do cinema.

Com inspirações claras em Possessão (1981), cult de Andrzej Zulawski, o filme é uma demonstração de amadurecimento para um diretor cuja única bandeira parece ser a liberdade de estilo e de pesquisa narrativa. E esse exercício vivo de busca pelos limites da imagem tem em Sabrina Greve um motor de arranque, numa atuação laureada no último Cine Ceará.

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