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'O Último Virgem' é afrodisíaco para a comédia nacional

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Por Rodrigo Fonseca
Atualização:
Fiorella Matheis dá lições de desejo no divertido (mas visualmente trôpego) filme de Rilson Baco e Felipe Bretas: alvo de patrulha  Foto: Estadão

RODRIGO FONSECACastradores em múltiplas latitudes, estes tempos de correção política - uma correção que se confunde com intolerância - só podem oferecer desprezo a um filme no qual Fiorella Mattheis escorre de suor na alta temperatura do desejo, sem perceber que, para o atual contexto, uma imagem dessas é um gesto de transgressor. Chegou-se a um ponto da patrulha ideológica em que definir Fiorella como uma força da natureza - coisa que, goste-se ou não, ela é - tornou-se um crime inafiançável de conduta. Por essa e outras (de)formações do estado de coisas comportamental da cultura - seja ela erudita ou pop - é que O Último Virgem se impõe como um exercício de exceção e de resistência simbólica - da lucidez, do prazer e de um bicho em extinção, a Liberdade. É um filme de flâmula (e fibra) frente a uma onda (ainda distante da arrebentação) que se esboça hoje no cinema brasileiro de humor em prol do esforço de se renovar o filão comédia a partir da construção de um novo (e jovem) público, hoje refém de gênios gringos como Judd Apatow (de Ligeiramente Grávidos, o seriado Love) e das séries cômicas românticas da NetFlix.

Lealdade à prova  Foto: Estadão

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Embora não consiga disfarçar seus tropeços de decupagem e de edição, numa carência de acabamento formal mais refinado, O Último Virgem é um engraçado exercício de observação dos ritos de passagem da adolescência à vida adulta, estruturado a partir de um sentimento chamado lealdade. Carrega em si universalidade e até uma conexão clara com uma tradição de pornochanchadas americanas e canadenses dos anos 1980 como Porky's na saga de como três amigos do nerd Dudu (o ótimo Guilherme Prates, bom de esculpir camadas existenciais em seus personagens) vão ajudá-lo a perder sua virgindade antes de um encontro íntimo com a professora de Biologia Débora (Fiorella, enviagrante nas curvas e precisa nas deixas cômicas). Seu parentesco mais direto é com Uma Professora Muito Especial (1981), de Alan Myerson, no qual Sylvia Kristel (1952-2012), a eterna Emmanuelle, derretia calotas polares ao ensinar Francês a um guri inflamado de hormônios.

Batido ou não, o enredo é explorado pelos diretores Rilson Baco e Felipe Bretas com o cuidado de plastificar seus protagonistas e coadjuvantes com uma resina pós-moderna sintonizada com as inquietações morais dos jovens de hoje. Seu faro mira o cheiro digital de uma nova plateia, que não se vê representada na neochanchada, cujo foco não é geracional e sim social e econômico, de olho nas classes C e D, que, sob a bolha de crédito da Era Lula e Dilma, teve sua chance de inclusão cartesiana do "consumo, logo existo". Para os adolescentes com quem Baco e Bretas desejam falar o conflito vai além do bolso - embora este também doa. Há preocupações amorosas, há questões de aceitação, há as novas modalidades de ser leal. É isso o que Dudu experimenta em uma trama cheia de reviravoltas, vitaminada com o ômega 3 dramatúrgico dos roteiros de L. G. Bayão. É pena que a ruidosa trilha sonora às vezes atropela falas hilárias.

Na mesma canoa onde Baco e Bretas remam contra o clichê da comédia nativa estão Julia Rezende (da franquia Meu Passado me Condena), Pedro Amorim (de Mato Sem Cachorro) e Matheus Souza (de Apenas o Fim). Todos eles estão oxigenando um terreno sufocado de chavões, trazendo referências da Era Ploc e dos anos 2000, de Chaves a Freaks and Geeks, para agregar novas audiências. Ela prepara agora o que pode ser seu melhor filme, ao adaptar para as telas a obra-prima teatral (sabor Coen brothers) de Fernando Ceylão: a peça Como é Cruel Viver Assim. Vem de Amorim o esperado Divórcio 190, no qual Murilo Benício e Camila Morgado recriam em português um clima à la A Guerra dos Roses. Matheus foi elogiado em Gramado por sua agridoce pensata sobre ser solteiro no mundo de hoje: Tamo Junto, que estreia nesta quinta, com Leandro Soares em estado de graça.

 Foto: Estadão

Em geral, reclama-se muito do descuido dos nossos bardos da gargalhada com o visual, com a plástica dos longas-metragens, num sinal de que o apuro verbal é maior do que o capricho cenotécnico e fotográfico  - dos novos ases do gênero aqui elencados, Amorim é o mais atento ao arranjo formal. Mas em O Último Virgem, a fotografia saturada de Julia Equi dá um gostinho vintage de década de 1980 à representação do Rio, evocando (ainda que sem querer) a memória de filmes como Banana Split ou Os Bons Tempos Voltaram... Vamos Gozar Outra Vez. O mesmo pode se dizer da direção de arte da bamba Fernanda Teixeira. Mas o grande achado do filme é a composição cafajeste de Escova, coadjuvante de ouro encarnado por Lipy Adler com vontade de potência para devorar cena a cena. Adler só não engole as cenas entre Prates e Bia Arantes (outro achado), que vive a estudante gente fina Júlia. Nem os beicinhos de "quero, quero" de Fiorella.  

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Enfim... é pra ver sem preconceito. Dá gosto.

 

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