Foto do(a) blog

De antena ligada nas HQs, cinema-pipoca, RPG e afins

O furacão Andréia Horta torna 'Elis' um espetáculo emotivo

PUBLICIDADE

Por Rodrigo Fonseca
Atualização:
Andréia Horta é Elis: prêmio de melhor atriz em Gramado  Foto: Estadão

RODRIGO FONSECAÉ raro, na história do cinema brasileiro, haver unanimidade de aplauso e elogios acerca de uma interpretação, com raras exceções como Fernanda Montenegro em Central do Brasil (1998); Marília Pêra em Pixote, a Lei do Mais Fraco (1981); Regina Casé em Que Horas Ela Volta? (2015); Fernanda Torres em Terra Estrangeira (1995). Andréia Horta passa a fazer parte deste clubinho seleto, de atuações de brio incontestável, com Elis, que chega às telas com fôlego para virar um dos maiores sucessos nacionais de 2016, fechando o ano de blockbusters pelas vias do drama e da cinebiografia neste período no qual a comédia brasileira passa por um chão arenoso, cheio de obstáculos. No último Festival de Gramado, em agosto, ela e todo o (belo) filme de Hugo Prata sobre a cantora Elis Regina (1945-1982) foram ovacionados como raras vezes se viu um filme ser ovacionado por lá. E, de quebra, a mineirinha de Liberdade, Liberdade (um baita sucesso televisivo) recebeu o Kikito por sua devastadora composição, que vai além do mimetismo.

PUBLICIDADE

Laureado em Gramado ainda com o prêmio de júri popular e o troféu de melhor montagem, Elis vai se desenhando como uma cinebiografia clássica, resgatando passos e precipícios de uma das maiores aves canoras da MPB até trocar de trilhos, optando por um caminho menos calcado em fórmulas de gênero e mais profundo. Está lá, bonitinho, fato a fato, emoção a emoção, a trajetória da Pimentinha pelos palcos, mas, a uma certa altura, o factual dá lugar uma dimensão mais introspectiva sobre a solidão de uma artista, de tamanho GG no imaginário brasileiro, mas de tamanho PP no quesito autossatisfação. Ali, num procedimento que lembra o eterno 'Round Midnight (Por Volta da Meia-Noite), de Bertrand Tavernier, a cantora deixa a condição de mito pra ganhar status de gente, demasiadamente humana (e bela), ao mesmo passo em que a fotografia de Adrian Tejido vai se permitindo mais e melhores blues no controle do foco e no jogo com a luz.

 

Prata consegue preservar o trajeto de ascensão à queda sem que o filme caia de ritmo, tendo Andréia como aríete para seguir em frente. O elenco ao lado dela alimenta a fornalha da atriz com atuações provocativas, sobretudo a de Julio Andrade como o performer Lenny Dale e a de Lúcio Mauro Filho (surpreendente) como Miéle. Como existe o amor - e a vida, sua inimiga -, o diretor escalou dois grandes atores para dar alma às maiores paixões de Elis: Gustavo Machado faz um Ronaldo Bôscoli chave de cadeia e Caco Ciocler faz um César Camargo Mariano açucaradamente companheiro. Um não erra na dose da cafajestagem, nem o outro excede no mel. Um representa a margem do risco e o outro a margem da segurança. Mas esse bêbado equilibrista chamado coração nem sempre se satisfaz com nenhuma dessas instâncias, como Elis comprovou em sua trajetória curta, mas luminosa nos palcos.

E de hit em hit, as memórias dela, revividas numa operação cinematográfica de imersão no fino da fossa leva o público ao prazer, pelas franjas da comoção.

 

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.