É difícil segurar o ímpeto de anotar os diálogos da peça Processo de Conscerto do Desejo, sobretudo quando Matheus Nachtergaele embarga peitos na plateia do Espaço Sérgio Porto, no Humaitá - RJ, falando de "olhos de até logo com jeitinho de adeus". A peça fica lá de sexta a domingo, às 20h30m, até o dia 27 de março... então, dá tempo de você ir lá com seu caderninho. O comichão de levar para casa cada palavra dita é similar àquele provocado pelo único longa-metragem dirigido pelo ator até hoje, A Festa da Menina Morta, de 2008, no qual ele nos ensinava: "Quem tem medo da dor tem medo do dia e da noite". Ele é bom em celebrizar frases sobretudo quando o tema delas é maternidade, assunto que vai rondá-lo em distintos trabalhos.
Em agosto, ele será visto nas nossas telas como coadjuvante de gala em Mãe Só Há Uma, dirigido por Anna Muylaert, que virou sensação no Panorama do Festival de Berlim, em fevereiro. Até prêmio - dado por uma revista LGBT - ele ganhou, em seu olhar sobre a tragédia de um adolescente às voltas com a notícia de que foi seqüestrado ainda bebê pela mulher que acreditava ser seu ventre gerador. Nachtergaele vive o pai: um pai classe média, brucutu de camisa Pólo, com dinheiro no bolso e intolerâncias na mente. Ele galvaniza o precipício materno diante do protagonista. Estima-se que antes do longa de Anna estrear, ele será visto em dose dupla em Big Jato, de Cláudio Assis, pelo qual ele ganhou um merecido Candango no Festival de Brasília, em setembro/15. Há, na trama, um jovem em meio de uma ciranda de mil descobertas, sexuais e afetivas, e seus sentimentos são esgarçados por um pai caminhoneiro e por um tio radialista - Nachtergaele é o intérprete de ambos. E entre eles, como se esperava, existe uma mãe, encarnada por Marcélia Cartaxo.
São filmes autoralíssimos, de perspectivas diferenciadas acerca da observação de como se constrói uma identidade, e Nachtergaele tem um peso essência na tessitura estética de ambos. Ele serve como uma bússola a apontar caminhos de superação para a juventude com a qual convive. São dramas bem humorados, erguidos entre a leveza e o desespero. É comum vermos o ator entre esses hemisférios nos longas que faz, e mesmo em curtas como Quando Parei de me Preocupar com Canalhas, pelo qual ele papou o Kikito no último Festival de Gramado, consolidando uma trajetória de vitórias cinematográficas para ele em 2015. Mas, no teatro, uma nova vitória se faz ver e aplaudir, pelas vias da coragem, com Processo de Conscerto do Desejo, pois ali, seu conflito não é apenas reduzido ao esforço de desvelamento de verdades cênicas. Ali, trava-se um embate contra a Saudade, com o "s" mais curvo, maiúsculo e doído. Um "s" inerente a falta que "s"ente da mãe que não conheceu, suicidada quando ele era apenas um bebê.
Na cena, ele usa versos e palavras avulsos deixados por ela - dona Maria Cecília Nachtergaele - e as músicas de que ela gostava como um dispositivo para poder inventariar cicatrizes e saudar uma ausência. A falta de abraço é a falta de abrigo. Mas a saliva é uma boa intermediadora entre a falta e a presença abastrata. Saliva é água benta no sagrado direito da recordação, substantivo que ele compartilha conosco de peito aberto, num balé de economias e sinceridades. Beleza apenas. A beleza de um ator em seu apogeu.