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De antena ligada nas HQs, cinema-pipoca, RPG e afins

Notas sobre 'Iran', um ensaio sobre a solidão do ator

Por Rodrigo Fonseca
Atualização:
A partir de liturgias de Irandhir Santos, Walter Carvalho cria "Iran", radical exercício de observação de fluxos  Foto: Estadão

Rodrigo Fonseca Tem um barulho esquisito, gutural, tipo um rééééé ou ráááá de limpar pigarros, que serve de música para Iran, um óvni sensorial com textura e conceito típicos das artes pláticas visto no domingo na Première Brasil do Festival do Rio, trombando contra o menu gustativo padrão de documentários do evento. É um troço em branco, preto, rabiscos em papel, dormentes de trilho, engenhocas de trem. Um troço que ganha sentido (político, sobretudo) na tela, como cinema, graça a junção de objetos e de tensões arranjada por Walter Carvalho. O sentido vem de uma percepção: o animal mais indomável do zoológico de vidro que se tornou a comédia humana nossa de cada dia é o ator. O bicho em questão, de quem vem o filme, é Irandhir Santos, profeta de sua própria história nas telas e de uma História de acertos na estética do ruído, da peleja. A partir dos ritos de preparação de Irandhir pra entrar em cena, Carvalho descasca camadas poéticas capazes de gerar um ensaio sinestésico sobre a solidão de alguém que interpreta outrem para sobreviver. É um ensaio sobre modos de estar, que embora pareça seguir um conceito de instalação, se quer filme, pede a tela grande e não uma galeria de centro cultural ou museu.

Walter Carvalho assina a direção e a fotografia em P&B  Foto: Estadão

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O que temos diante de nós é um spin-off do cult Redemoinho, usando imagens de bastidor deste longa de 2016, dirigido por José Luiz Villamarim a partir da prosa de Luiz Ruffato. Palavras de Ruffato ou do roteirista George Moura, Iran dispensa. Só ficam letras escritas e murmúrios. Fica Irandhir andando de bicicleta e se exercitando, sem que isso gere narrativa formal de travessia. É uma natureza experimental, que exponencia a busca recente de Carvalho, como realizador, investigando potências craitivas de artistas, sejam eles músicos (Raul - O Começo, O Fim e o Meio), poetas (Manter a Linha da Cordilheira Sem o Desmaio da Planície), menestréis (Brincante) ou... atores. Nesses outros filmes, víamos ainda uma estrutura de aproximação com entrevista, com observação direta de ações práticas. Tudo isso cai em Iran: sai o todo e fica a parte. A metonímia é a lei.

Maior fotografo de nosso cinema na atualidade, o diretor paraibano gera um fluxo visual de um preto e branco arrebatador. Em termos plásticos, nada visto até aqui na Première teve tanto vigor ou engenho - na ficção, só o Grapette As Boas Maneiras. Mas encarar este experimento exige paciência. Muita... o próprio Carvalho usou o termo "crespo" para referir-se à sua forma gongólica, que não se apresenta de modo retilíneo. Mas é possível se extrair dele um prazer sensorial dos mais cálidos em sua contemplação sobre o Tempo, um tempo que nasce biológico (no corpo de Irandhir) e vira um tempo metafísico, ontológico. É algo que lembra o que Mario Peixoto fez em Limite (1931): um olhar sobre o fluxo e um pensamento a partir da lírica que o fluxo gera.

2017 tem sido um ano bom - na tela - pra Carvalho por múltiplas razões. Primeiro, seu Um Filme de Cinema caiu no boca a boca e virou assunto entre os cinéfilos, tendo bombado sessões de debate no Rio, em diferentes espaços. Depois, em O Filme da Minha Vida, dirigido por Selton Mello, ele soltou o melhor de si naquela que talvez seja a melhor fotografia do ano do cinema brasileiro, na ficção. E a novela Os Dias Eram Assim, que ele ajudou a conceituar, virou um dos maiores achados da Rede Globo. Agora, Iran vem curar sua verve de risco, esticada aqui ao máximo. O máximo deste momento... até a próxima transgressão.

Ainda no Festival do Rio...

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Foi uma sensação no Centro do Rio a projeção hors-concours do documentário Eu, Pecador, de Nelson Hoineff, sobre o cantor Agnaldo Timóteo. Há quem diga se tratar do mais visceral longa documental de todo o evento, que termina neste domingo. Na tela, Hoineff (crítico que anda em seu apogeu como documentarista) passa a limpo as polêmicas em torno do cantor, envolvendo política e sexualidade. A exibição foi uma festa para a música romântica e para o humor.

"Depois Daquela Montanha": love story  Foto: Estadão

Fora o excepcional Zama, experimento argentino de Lucrecia Martel, que tem um DNA brasileiro via produtora Vânia Catani e os atores Matheus Nachtergaele, Mariana Nunes e Evandro Melo, a maior surpresa gringa do evento até agora é uma love story com pinta de aventura neve, brega até o osso: Depois Daquela Montanha. Dirigido por Hany Abu-Assad (de Paradise Now), The Mountain Between Us (no original) fala do périplo pela sobrevivência de uma fotógrafa (Kate Winslet) e um médico (Idris Elba, sempre impecável) numa inóspita região nevada. Foi um sucesso de público em sua estreia nos EUA, com US$ 10 milhões de bilheteria.

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