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De antena ligada nas HQs, cinema-pipoca, RPG e afins

No auge da potência e da ousadia, Mariana Ximenes ilumina o Festival do Rio

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Por Rodrigo Fonseca
Atualização:
Mariana Ximenes e Jason Priestley em Zoom Foto: Estadão

Força da natureza por razões antropomórficas, bíblicas e helvéticas, Mariana Ximenes do Prado Nuzzi vai fechar o ano em estado de graça nas telonas, e não apenas pelo trabalho irretocável à frente de Zoom, de Pedro Morelli, exibido na sexta-feira no Festival do Rio. É que 2015 parece ter se tornado um ano de afirmação da plenitude da atriz, não apenas na afinação de seu ferramental cênico mas na ousadia de suas escolhas, sempre na órbita do desconforto, da auto(rre)descoberta. Uma confirmação foi o troféu Kikito dado a ela em Gramado, em agosto, por seu trabalho à frente de Um Homem Só, de Claudia Jovin, no qual ela vira uma Zooey Deschanel nacional. Foi uma atuação incandescente, na pele de uma zeladora de um cemitério de animais, no qual ela mistura sexualidade, inocência e brejeirice, explorando o devir feminino em toda a sua latência. Gramado babou por ela, e não foi de desejo: foi reconhecimento de uma intérprete na esfera camaleônica na reinvenção de arquétipos.

Kikito por "Um Homem Só", neste sábado (24) na Mostra: atuação primorosa de Mariana Ximenes numa sci-fi cômica Foto: Estadão

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Há duas semanas, La Ximenes incendiou a tela do Festival de Brasília como estrela em Prova de Coragem, de Roberto Gervitz. Ali, no papel de uma artista plástica grávida, à espera de um bebê que pode desestabilizar uma relação com um médico promissor (Armando Babaioff) e sua própria carreira, ela trafega por zonas de deserotização e despedaça todo o cabedal de recursos que alcançou na TV vivendo mocinhas e femme fatales em vias de redenção. É o trabalho novo de um diretor que usa a literatura como matéria viva para discutir acomodações e rearranjos frente a traumas e escolhas infelizes.

Com Armando Babaioff em Prova de Coragem: a solidez da grife Gervitz Foto: Estadão

Agora, em Zoom, brincadeira metalinguística de corpodução Brasil - Canadá aplaudida no Festival de Toronto, ela é a escritora que cria um universo capaz de fundir filme, HQ e livro, no qual um interfere no outro. Contracena com um Jason Priestley barrado no baile da idade, mas ainda preciso no talento, e ainda faz cenas de elevar a libido geral com Claudia Ohana. "Peguei um avião durante uma folga no meio das filmagens de Prova de Coragem e fui pra São paulo, num bate e volta, para fazer o teste para o Zoom. Fazer opções dessas não é questão de uma estratégia clara. Os projetos vão vindo e, conforme, propostas boas aparecem, eu agarro", disse Ximenes ao P de Pop do Estadão ao fim da sessão.

Mariana com João Miguel em Quase Memória Foto: Estadão

Ainda no Festival do Rio, ela volta à cena no esperadíssimo Quase Memória, de Ruy Guerra, ao lado de João Miguel, numa releitura poética do romance homônimo de Carlos Heitor Cony. É um projeto que levou quase 20 anos para sair do papel e que chega à disputa pelo Troféu Redentor com fome de prêmios. "Como é que se diz não a um projeto com um diretor como Ruy Guerra? De uma certa forma, vou equalizando essas experiências com a TV e descobrindo até onde posso ir", diz a atriz, que tem no currículo filmes memoráveis como O Invasor (2001), de Beto Brant, e Dias de Nitezsche em Turim (2001), de Julio Bressane.

Aos 34 anos, a atriz paulistana tem um currículo de escolhas que fogem da obviedade, tendo estabelecido uma parceria criativa com Bruno Safadi que nasceu lá em 2003 no expressionismo caboclo de Uma Estrela pra Ioiô, em curta metragem, e seguiu pelo longa com O Uivo da Gata, que brilhou na Europa no Festival de Roterdã. O diferencial de Ximenes é a habilidade de usar sua star quaility em nome da autoralidade. E, com isso, ela decola para uma carreira sem concessões. Esperemos os próximos filmes.

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p.s.: Ontem, começou a Première Brasil e Victor Lopes mostrou sua elegância habitual na abordagem de dramas cotidianos e desconstrução de personagens cristalizados no imaginário nacional à frente do documentário Betinho - A Esperança Equilibrista, com foco na luta (contra a exclusão) e no altruísmo de Herbert de Souza. Onde se esperava uma cinebiografia padrão, o realizador de Língua - Vidas em Português fez um tratado sobre a solidariedade, sem endeusar seu objeto de estudo, tratando-o com leveza e não reverência. Por outro lado, Beatriz, de Alberto Graça, abriu a competição de ficções em longa metragem em temperatura morna, seguindo o drama de um casal brasileiro em Portugal pelas vias do desvario amoroso. Marjorie Estiano defende bem o filme, bem fotografado por Rodrigo Monte, mas os tropeços de roteiro e direção comprometem sua vitalidade.

 

p.s. 2: Será criminoso se Pedro Morelli não levar Zoom para o Festival de Annecy, na França. O evento é conhecido como a Cannes da animação e o Brasil virou xodó lá nos últimos três anos, com as vitórias consecutivas de Uma História de Amor e Fúria, em 2013, de O Menino e o Mundo, em 2014, e de Guida, este ano. O longa que Morelli filmou com La Ximenes mescla desenho animado e carne e osso para embaralhar tempos narrativas, fazendo esta mescla com habilidade invejável e muito humor, tendo a rotoscopia como técnica. A partir dela, os movimentos de atores como Gael García Bernal são registrados e recriados como traços de gibi. E o roteiro é impagável. "O ponto foi ter três universos distintos e que cada um tivesse uma linguagem própria para expressá-los", explica Morelli.

 

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