Rodrigo FonsecaTem dois longas-metragens de Walter Carvalho (Raul - O Começo, o Fim e o Meio e Janela da Alma) na enquete do livro Documentário Brasileiro - 100 Filmes Essenciais, recém-chegado às livrarias com a grife da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Mas faltou coisa dele nessa seleção, coletada com capricho pelo mineiro Paulo Henrique Silva, o organizador da publicação, que dedica ainda um espaço à fúria audiovisual do irmão de Walter: o documentarista Vladimir Carvalho, realizador do mítico O País de São Saruê (1971). E o terceiro lugar desse best of ficou com Santiago (2007), de João Moreira Salles, que tem fotografia de Waltinho, cuja cabeça cunhou a minima moralia a seguir:
"Na distância entre aquilo que se vê e aquilo se deduz reside uma certa poesia que a gente chama de cinema".
É esse o pensamento que rege um dos trabalhos mais bonitos dele como diretor: Um Filme de Cinema, que foi um dos maiores lançamentos nacionais do ano em circuito.
Com depoimentos de realizadores icônicos por sua transgressão às cartilhas narrativas da indústria do audiovisual, como a argentina Lucrecia Martel, o húngaro Béla Tarr, o americano Gus Van Sant, o mezzo moçambicano mezzo carioca Ruy Guerra e os brasileiros Julio Bressane e Karim Aïnouz, o longa assume como tema o plano: a menor partícula estética de uma obra fílmica. O objetivo do cineasta e fotógrafo paraibano (aliás... o maior diretor de fotografia em atividade no Brasil) é compreender como este elemento essencial à linguagem cinematográfica foi sendo barateado pelo mercado, buscando ouvir cineastas que ainda preservem sua pureza. A gestação deste longa coincidiu com um período intensivo de trabalho em que ele fotografou projetos de Selton Mello (O Filme da Minha Vida), José Luiz Villamarim (Redemoinho) e Murilo Benício (O Beijo no Asfalto) e concluiu as filmagens de Manter a Linha da Cordilheira Sem o Desmaio da Planície, no qual aborda o processo de fazer literário do poeta Armando Freitas Filho.
Existe um dispositivo clássico - a entrevista - no cerne da estrutura de Um Filme de Cinema, afinal, é necessário fazer ouvir reflexões e digressões sobre a ótica, a física da dramaturgia, a cinemática. Nessa escuta, temos pérolas, como a forma de Tarr pensar a posição do ator em um tratado sobre a erosão como O Cavalo de Turim (2012), e temos fofocas, como a piadinha de Lucrecia sobre Jennifer Aniston. Mas existe um ganho no longa que transcende a palavra e que está em uma natureza experimental, Natureza esta que exponencia a busca recente de Carvalho, como realizador, investigando potências craitivas de artistas, sejam eles músicos (Raul - O Começo, O Fim e o Meio), poetas (tipo Manter a Linha...), menestréis (Brincante) e atores (caso do recente Iran).
Espécie de aula de cinema sob múltiplas perspectivas de análise da linguagem, Um Filme de Cinema concilia a dimensão investigativa que Walter herdou de Vladimir com a dimensão analítica da experimentação plástica. Uma experimentação que vem de sua porção de artista plástico (fotógrafo), mas que filtra os traços residuais das Belas Artes em língua de cinema.